quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

As Tristezas Afligidas (Pedro Drumond)




Tristezas Afligidas
(Pedro Drumond)
Nós, meros humanos, somos incapazes de dissipar
A neblina que ofusca os pensamentos,
A dor que imbui os sentimentos
E as perdas que por ventura sofre
Um bem amado tido como nosso.

Mesmo que a nossa irrecuperável perda
Tenha sido a de um sublime amor,
Nos sentimos ainda mais perdidos e sós
Por não podermos expulsar as tristezas afligidas
No coração daqueles que nos deram de presente
Algum sentido maior de vida.

Sem poder invadir tua alma,
Sou capaz de julgar a existência mais cruel
Por perturbar, de leve que seja, a paz de espírito.

Então por obséquio, amado meu, não esqueças:
Haja o que houver - terremotos, vendavais, tempestades,
Arrastões de tudo o que mais era valioso em tua alma -
Nunca penses que neste mundo devastado
Te encontras abandonado e sozinho,
Pois nós, meu amor e eu, lealmente aqui estamos...
Nós estamos aqui contigo!

Condolências (Pedro Drumond)



Condolências
(Pedro Drumond)

Céus, meu amado!  Acaso tão cedo já conheceste
O árduo fel da morte de alguém próximo a ti
Com quem já dividira os mistérios do destino?
Céus, meu amado! Que posso então lhe dizer?
Sentir muito, sentir pouco?

Ah, quão inúteis e implacáveis são nossas condolências!
Elas de nada valem aos espinhos cravados nos nossos corações.
Elas de nada abafam o nosso desespero trincado.
Elas nem injetam na alma melhores emoções...
Que hei de fazer?

Céus... E logo eu que numa ilusão presunçosa
Certo dia pensei ser capaz de lhe proteger de tudo!
Proteger-lhe de todos os percalços da vida,
Proteger-lhe dos variados perigos que vêm lá de fora.
Por mim, eu desceria até o Hades
Quantas vezes fossem necessárias,
Somente para poupar-lhe destes trágicos designos.

Ah, como eu queria que tu não conhecesses
Nenhuma das torturas e padecimentos
Que nos cobram as angélicas leis impostas pela vida.
Como eu criaria uma eterna dívida com os anjos
Se eles lhe impedissem de prantear qualquer vale de dor,
Assim pelo menos teu destino seria brisa, seria felicidade...
Teu destino, quem sabe comigo, seria mais amor!

Infernos, meu amado... Como hei de dormir agora
Sem sequer participar da tua vida
Quando mais careces de um abraço?
Como puderas ter-te ido embora
Se agora tudo o que mais precisas
É do silêncio consolável de um grande amor?
Eu poderia impelir para longe de ti a solidão
Que petrifica os nossos sonhos e planos,
E por fim ser-te leal sem hesitação
Justo nesses árduos momentos do agora.

Infernos, meu amado... Nem sequer imbuído
No recrutamento da dor mais severa
És capaz de chamar-me pelo nome,
Pois sabes serias respondido.
Nem posso culpar-te.
Talvez tenhas te esquecido de mim,
Então como convencer-te de que não fora eu
Quem cheguei ao fim?

Que a vida te seja mais amena, assim espero...
Que ela te empurre para o fundo da prateleira
Só para não lhe agraciar nas primeiras auroras do dia
Com mais tempestades e granizos de tristeza,
Cuja queda, lamentavelmente, não posso eu combater.
Estejas certo, porém, de que os equilíbrios perfeitos podem ruir
Apenas eu, pelo menos por ti, não deixarei de estar aqui.



terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Incorrigível Estado de Espírito (Pedro Drumond)




Incorrigível Estado de Espírito
(Pedro Drumond)

Amor, tu te maquias com os brios do impossível.
Tu te vestes com os trajes do imprevisível.
Tu te perfumas com a rara fragrância
Extraída das seivas da mais inatingível distância.
Tu te calças dos cacos sobrados de todos os corações
Que um dia por ti foram pisoteados.

Já tua beleza se comporta
Com a solenidade de uma obra de arte
Que daria inveja à Apolo, filho de Zeus e Leto.
Tua realeza é capaz de matar só por diversão
Todas as almas sem dono, conquistando-as
Até o ensejo perfeito de subvertê-las.
Mesmo assim tu ainda te sentes insatisfeito, sem nada?
É preciso de fato deixar seus servos vivos
Para que minem sobre as tuas torturas.
Assim como os teus aliados devem ser bem assistidos,
Para que continuem acreditando nas tuas falsas juras.

Amado meu, certamente tu te banhaste
Nas cachoeiras do fascínio, do feitiço e da ilusão.
Te banhaste nestas mesmas águas da qual eu,
Sequioso de sede, vindo do sul dos desertos,
Permaneço a procurá-las, a farejá-las, a clamá-las...

De longe chego a ouvir o choro dessas cascatas
Assim como se tu tivesses aberto na minha alma
Todas as zonas restritas e secretas
Que tanto esforço fiz para preservar.
Eu que te contemplo com a luz
Que preenche as mínimas brechas do abismo,
Ainda retorno ao seu acervo,
Vasculho as suas pegadas, as suas arestas,
Talvez para reafirmar sobre o amor
As minhas crenças tão propícias a fenecerem.
(Ora essa, que causa mais vã é essa que fui querer abraçar!)

E a cada nova pista que tu deixas pelos caminhos
Eu vou me dando conta do quão não deixarás
De ser-me mero desconhecido, rigorosamente intocável.
Eu, meu caro amado, justo essa alma melindrosa
E errante que muito sou, caso não saiba,
Ganhei vida por um dia ter estado ao teu lado
E se bem me recordo, cá com os meus botões,
Aquilo me era divino, espetacular, maravilhoso!
Mau desconfiava eu de que a vida que de fato me deste
Se trataria de uma insofismável assombração.

Não... Não existe nada que exorcize os fantasmas
Que chamam pelo teu nome no meu coração.
Eles vagueiam aqui dentre'mim, não há como controlá-los!
Estão ora atolados em lamas corrosivas,
Estão ora se esfumaçando em lavas derretidas,
Estão ora num zig zag frenético e absurdo
Pelas valas e grutas de todo tipo, sobretudo sem saídas.
Esses meus fantasmas beligerantes
Estão agora, sim, neste exato momento,
Te implorando a mínima comoção.

Que posso então fazer desses anjos caídos
Nos jardins da minha existência?
Que posso deles fazer se é que algum dia
Eles me foram sonhos, foram planos,
Foram os tamanhos e injustificáveis sentimentos
Que alimentavam-se de ti, como o maior dos sentidos?
Que posso por deles fazer, já que oram a ti,
Para que comigo te tornes divino?

Que posso fazer desse meu
Incorrigível estado de espírito,
Cristalizado que bem ficou
Depois que os ventos de Oya
Sacudiu as nossas vidas
E por fim nos afastou um do outro?

Que posso fazer contigo, meu amado,
Que nada me foi, nem tampouco será?
Que posso fazer se tu foste ninguém,
Outrossim como ninguém eu sou?
Que posso fazer se só tento a ti
Para ensaiar as minhas tentativas de amar?

sábado, 25 de janeiro de 2014

Profanei Minha Alma (Pedro Drumond)




Profanei Minha Alma
(Pedro Drumond)

Profanei minha alma.
Houve uma hora em que quis parar de negar
Tudo o que a vida postava no meu caminho.
Por mais que eu achasse tudo aquilo fascinante,
Sem sentido e completamente tentador,
Pensava eu que me enclausurar
Na falta de contato com maiores paixões
Seria a melhor forma de superar
O que me deflagou por sua vez o menor dos amores.
Talvez eu estivesse enganado
Quando na verdade, tudo o que eu precisava mesmo
Era me lançar aos braços dos sequiosos da carne,
Do desejo e do gozo, afim de me esquecer
Daquilo que realmente me vale,
Do que me pariu para mim mesmo,
Do que aliás, não passou de um profundo desgosto.

Profanei minha alma, pois como dama
Me guardei imaculada, ignorando a passagem do tempo
Para quem jamais viria beber da minha fonte.
Donde o meu amor rarefeito ainda se esconde,
Donde tudo o que mais sinto,
Preservo a profunda sede de ser feliz!
Antes que fosse tarde demais
Eu tomei o próximo navio rumo as ilusões
E nunca mais voltei, nem sequer olhei para trás.

Entreguei todo o meu ser, antes angelical,
Para o desfrute dos homens de todos os tipos:
Do mais singelo ao mais banal - com ou sem princípios.
E se eu for parar o tempo afim de procurar arrependimentos
Der nada irei me valer. Na alma o que me subjuga
Não são os lamentos. O que de fato me corrói
São apenas os sentimentos - esses sim
Pelos quais esperei viver e não morrerei levando-os comigo.

Profanei minha alma, profanei a alma que é minha.
E até que me tornei mais puro, mais inocente
Mais honesto com o meu ser humano
Do que antes, quando mais queria.
Mais uma vez quis caminhar nas estradas vazias
E hoje em dia são os ecos dos vácuos mais sombrios
Que percorrem o meu mundo interior.

Agora, só de sacanagem, quero voltar a me romantizar.
Quero me enojar dos machos que me tocam,
Quero ser donzela, quero castrar a fêmea em mim.
Porém uma vez solta, jamais essa força volta a se aprisionar.
Tomara então que a próxima curva que me encaminhar para o desvio
Não me faça encontrar nem amores e nem paixões.

Gostaria de ir para além do que me permite o destino.
Estou querendo me perder no próprio labirinto do universo
E fazer com que ele nunca mais torne a me reencontrar.
Agora exijo com que a vida prove do seu próprio veneno!
Que eu me atire no buraco-negro mais próximo
E que ela fique a se matutar eras a fio por onde eu deva estar.

Lembre-se de mim - escrevi num bilhete -,
Porque de ti jamais hei de querer recordar!

O Silêncio do Amor Aflito (Pedro Drumond)





O Silêncio do Amor Aflito
(Pedro Drumond)

A última vez que eu avistei o meu amor
Ele vinha em minha direção
Na calçada que travava de unir-nos no mesmo caminho.
Antes de pensar em qualquer coisa, cruzei a pista,
Escapei de olhar em seus olhos e notar o seu sorriso,
Como faz da cadeia um audacioso prisioneiro.
Hoje em dia, porém, quanto tempo eu não o vejo!
Sendo eu uma saudade ambulante,
Quanto tempo que eu não o sinto!

Fico encabulado, sabe? Pois vira e meche,
Sendo completo de morte e de vida vazio,
Esse fantasma sempre me volta
Obrigando minha poesia a recordá-lo.

Como me sinto esquisito!
Não sou mais capaz de me rejeitar
Nem de amá-lo com aquele ardor de outrora.
É com incalculada frieza nos olhos que osculo suas fotografias,
Como se a quem me debruço fosse um completo estranho.
Como se eu jamais tivesse sido por ele enamorado.
Como se eu, inexplicavelmente, fosse agora outra pessoa.

Como entender a verdade dos sentimentos humanos?
Como confiar naquilo que hoje sentimos
Se amanhã tudo pode fugir à janela,
Pegar o próximo navio e deixar de lembrança
A ironia da ausência?
O que mais contrasta com tudo o que acreditamos?
"Nada de fato foi real, seu paspalho!" - afirmam os escárnios da mente.

A maior relutância de quem ama
É pensar ou sentir o ser amado,
O mesmo capaz de nos despertar o amor,
Enxergando a nudez de sua alma amada
Como se contemplasse a sua própria natureza,
Na medida em que aos poucos vai se desfazendo
De todas as suas máscaras e disfarces.
Sem, no entanto, ser notado, ser reconhecido.
Sem deixar de ser apaixonado, se também não for impossível.
Sem fazer amar quem tenha a mesma inclinação
Para se lançar no seu abismo assustador.

O amor é uma farsa tão realista como a vida.
Seu sentido é oculto. Não tenho mais nada a dizer,
Porém sempre há de dar o seu parecer
Aquele que um dia me provocou
O silêncio do amor aflito
E que hoje me inspira sem dor,
O silêncio de um tempo perdido.

Do Escritor (Pedro Drumond)






DO ESCRITOR

Desvelar o fundo da alma de forma brusca para o mistério do que é o ser humano - eis o papel dos escritores, dos poetas. Para nossa sorte são poucos que conhecem de fato a penumbra da alma e de lá podem voltar para nos contar algo a respeito. Poucos estão presos à essa liberdade, ainda que as bibliotecas e livrarias sejam um oceano de obras publicadas (em sua maioria, aspirantes). Eles sempre voltam porque se acaso nós irmos em seus lugares, perderemos a memória e ficaremos completamente desorientados, perdidos. Os escritores são os filhos do esquecimento, por isso são fluxo de visões, porque delas são excluídos de todo saber - não precisam darem-se o trabalho de manter a consciência. Sim, esses escribas da vida e da morte, assim como de toda cadeia de simples complexos que unem a separação do que somos e do que jamais saberemos ser, são talentosos em materializar nossas essências à pena e tinta porque na verdade apenas atém-se a si mesmos. Ao ater a si mesmo o escritor dilui-se em homem, e ser homem, ser humano, ainda é a maior das raridades. Aquele que o é, por sua vez só pode ser uma alma do deserto e ao mesmo tempo um fio condutor ligado a toda humanidade.

- Pedro Drumond

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Umbral da Alma Poeta (Pedro Drumond)





Umbral da Alma Poeta
(Pedro Drumond)

É... Não tem jeito... Vou ter que me entregar.
Que me perdoem os deuses que carrego na alma.
Desculpem-me, deuses, mas vou ter que nos encarcerar
No fundo de uma gaveta suja,
Numa tumba dos tempos de Thor
Sim... A tumba asfixiadora de sonhos...
Preparem-se, pois é para lá que vamos à sós.

Tentei como ninguém resistir ao que sucumbo agora,
Mas a vida foi tão maior do que eu, todos bem o viram.
Não restou-me nada, nada, simplesmente cheguei ao meu fim!
A vida é demasiada imperiosa.
Vocês todos sabem, deuses, como eu quis...

Como nenhum outro viajante de almas,
Resisti abrir mão dos nossos segredos, da nossa filosofia,
Da nossa arte, do nosso encanto, da nossa magia.
Apenas sou dono de mim mesmo - e isso foi tudo o que consegui.
E "eu mesmo" no atual mundo em que vivemos
- Nefasto, obscuro e prisioneiro -
Não é de longe o suficiente para sobreviver.
Exorbitante é o preço que a vida nos cobra!

Quis tanto preservar a minha singularidade,
Mas ela só nos serve anonimamente.
Ela não nos poupa do fardo de sermos diferentes.
Ela não nos protege dos mesquinhos
A ponto de não nos desfazermos da preciosidade
Que tanto custo tentamos resguardar.

Bom, já que vou ter de me curvar perante o tempo
De nada mesmo servirá o meu orgulho,
A minha vaidade e os meus sonhos.
Pelo menos não abrirei mão
De jeito algum da minha alma.
Não me entregarei assim tão fácil.

Se a minha vida é mais uma forma de escravidão, pois que seja,
Contudo, desfaço-me de mim
Antes que alcancem-me os bárbaros e tiranos
Que visam me extorquir da minha essência
E de tudo o mais que floresce no meu coração.
Jogo isso tudo para trás, num súbito impulso,
Sem sequer olhar para onde vai parar.
O certo é que não será a minha verdade
O bem precioso que que hão de me furtar.

Que eu viva num campo de concentração se for preciso.
Agora, nada disso mais importa.
Se não fui digno do meu sonho
E ainda assim, inexplicavelmente, permaneço vivo,
A essa altura da vida já terei me despedido.
Antes que o outono chegue já sou folha morta.
A perfeição da criação pode estar no inferno,
Como destino final e inescapável do homem,
Mas eu não vou para o inferno...
Não, para o inferno eu não vou!
É bom demais pra mim...

Vamos nós, eu e o meu amor, fugitivos das sombras,
Para uma dimensão impenetrável e paralela
Que só a gente pode arquejar.
Eu venho de onde surgem os anjos e aberrações.
Eu venho de onde se grita por se calar.
Eu venho de onde não existem leis,
Tampouco limites ou sentidos.
Eu venho de onde o ser humano
É uma lua sem estrelas numa noite deserta...
Eu venho do umbral... Isso mesmo, umbral...
Umbral da Alma Poeta!

terça-feira, 21 de janeiro de 2014

Triste Censura (Pedro Drumond)






Triste Censura (Pedro Drumond)

O amor não tem fundamento, pois não tem um doutorado.
A prova de sua envergadura é mais que um sentimento.
Amar é se instruir na vida que não passa de um jardim de infância.

A dor uma hora se esquece.
O fantasma que toma a forma do amor
E para às nossas vistas se apresenta,
Qualquer dia qualquer hora, desaparece
Para quê então ao sofrermos tendemos clamar pelo fim?
Pelo fim da nossa vida, pelo fim do nosso amor,
Pelo fim da nossa angústia, pelo fim do nosso tormento, por quê?
Quando num belo dia em que esse bendito fim nos chega
E se instala irrevogavelmente em nosso coração,
Nos damos conta de como o ar de nossas almas
Fica impregnado por uma estranheza sem remoção.

Sim... Como é estranho não sentir mais tristeza
Depois que finalmente fizemos amizade com a dor.
O tempo passa e de repente sentimos
Sua leveza tão saudosa para o peso d'alma.
Quais viajantes sem destino, seguindo estrada,
Depois que o amor já antecipou-se de nós
E abriu os nossos caminhos sem sombras nem rastros,
Percebemos que nossos sonhos foram-se indo, indo...
Foram roubados os nossos sonhos, o nosso canto de ninar.
Foi roubou o nosso coração, a nossa vontade de ficar.
Foram-se indo, indo...

Mesmo assim, meu caro, uma hora
Haveremos de amar novamente, não tem por onde escapar!
Cumpramos então sem resistência
Essa necessidade inerente do ser humano que é a de amar.
Não percamos nosso precioso tempo de vida
Erguendo muros em volta de nossos corações
Com a desculpa de não querermos mais ser incomodados
Nem por novos amores, nem por novos destinos,
Pois do contrário depois não mais conseguiremos
Sair de nossas celas, dos nossos ninhos, escapando para o lado de fora.
Nos tornaremos detentos da própria prisão que mesmo construímos
Ao ponto de termos jogado num boeiro, leviana e impensadamente,
As chaves, sem cópias ou reservas, da nossa única liberdade - o amor.

Portanto deixemos de lado tudo e todos.
Libertemos os dramas, os traumas,
Os medos, as ilusões, de uma vez libertemos!
Amar é um suicídio, hesitar o amor torna nossa vida em vão.

Quer saber então qual foi o ato mais corajoso da minha vida?
Foi na aurora da juventude, ter dito inteiramente "Eu te amo!".
É, isso mesmo... Que foi? Acha isso besteira?
Pois foi... Foi ter dito um "Eu te amo" cheio de convicção,
Mesmo já prevendo a pena que essa revelação
Iria me impor para cumprir pelo resto existência.
Não importa, arrisquei, dei a cara a tapa, pois nunca fui paciente.
Pelo menos disse... Disse com gosto, unicamente...
É... eu disse... Disse, "Eu te amo!",
Da forma como nunca mais se repete, se sente.
Até que nada mais se diz. O que resta é o silêncio.

Ter dito que amava foi o meu maior desafio,
Pois não é fácil dizer uma verdade
Que por sua vez é muito rara de se pronunciar
Quando se trata da sua alma tida por dados de jogo.
Disse sim, "Eu te amo!", sem nada sequer esperar
Embora a poesia, em troca do amor,
Seja o sonho secreto de todo poeta.

E ao arriscar a fazê-lo - dizer que amava -
Eu tinha plena consciência de que tudo poderia perder.
Podia ter sido exposto, sido debochado,
Podia ter sido mau compreendido, sido repudiado
Por aquele que enfim me testemunhou.
Não fui, porém em compensação, nada disso.
A resposta recebida foi a mais imprevisível - um longo e seco silêncio.
Depois veio o teatro da indiferença :
"Vamos fazer de conta que nada aconteceu?
Você nada disse. Eu nada ouvi, combinados assim?"

Mesmo assim o amor foi causa mais nobre
Que eu mais soube defender na vida,
Pois aprendi que enquanto amasse
Meu dever seria o de sempre honrar os meus sentimentos.
Honrá-los não pelo outro...
Honrá-lo por ninguém mais, por ninguém menos
Do que simplesmente por mim mesmo!

Depois disso consegui me sentir
Mais digno perante o meu próprio ser.
Essas coisas mui pequeninas influem (e como!)
Ao longo do trajeto de nossas vidas.
Por isso o mais prudente será jamais descartá-las
Uma vez descartando estamos na verdade a nos trair
Sendo que o mínimo que podemos nos prometer
É a própria lealdade de não nos boicotar.

Mesmo não passando de monstros alados,
Sim, temos que nos amar - monstros alados quem somos -
Sabendo que existem criaturas angelicais
Habitantes mais do inferno do que do céu.
Existem mais curvas na estrada de Santos
Do que uma conclusão profícua a se chegar
A cerca do amor de qualquer espécie, de qualquer ser  humano.
A cerca principalmente do amor pelo qual morreremos
Com a triste censura de expressar.

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

O Controle da Dependência (Pedro Drumond)







O Controle da Dependência
(Pedro Drumond)

O amor jamais é uma pedra sobre uma correnteza.
Muito pelo contrário, o amor é a própria correnteza sobre a pedra.
Não é uma ditadura e sim uma aventura, um grande precipício.
Decair nele é encontrar o inferno e o paraíso.
É sofrer e alegrar-se no mesmo compasso
E principalmente - descobrir da vida o seu sentido!

O mundo é demasiado grande.
A vida, muito vasta para termos plena certeza
De que dada "pessoa" ou "lugar" realmente existe
Ou encontra-se a nossa espera.
Há aqueles que cobram dos outros atitudes firmes,
Muito embora sejam os mesmos que promovem
O controle da dependência.
Logo não compreendem, esses debocháveis frangalhos,
Que talvez aquele momento seja o mais propício
Para se viver sem cláusulas, para se viver perdido.

Os deuses lamentam:
Os burros vivem vidas menos atribuladas,
Muitas vezes levam vidas bem sucedidas
No mais ridículo dos contextos
 - a vida programada, servil, doentia -
Enquanto aqueles, dotados de sensibilidade,
Inteligência, raridade ou magia,
Chutam as caveiras do fracasso,
Não tendo outro caminho senão o isolamento
Que ao mesmo tempo que é procurado pelos covardes.

A vida nem sempre bem hospeda
Os detentores de essência e verdade.
Os nossos semi-deuses não são desse mundo,
Pois não servem para nada em especial.
O que havia em nossas bebidas para lhes despejarmos
Num mundo onde o admirável é banal?

É reconfortante e ao mesmo tempo assustador
Saber que os padecimentos passados por nós
Por outros também são experimentados.
Somos na vida todos apresentados uns aos outros
Muitas vezes pela dor da mesma espécie - uma amiga em comum.
Ser humano não é para principiantes
E sim para aqueles que são desconhecidos da humanidade.

Repare nos seres singulares, pois estão em extinção.
Ensinaram-nos que suas vidas muito brevemente fenecem.
Mera confusão! Os célebres e memoráveis anônimos,
Impregnados de um ar blasé facilmente esquecem-se
De como suas existências são incorrigíveis.

A Minha Pandora, O Meu Coração (Pedro Drumond)




A Minha Pandora, O Meu Coração
(Pedro Drumond)

A alma do ser humano é uma verdadeira caixa de Pandora
O que o mensageiro dos deuses, Hermes,
Faz com que nós ousemos abri-la violadamente?
Talvez o fascínio pelo mistério,
Talvez o delírio pelo absurdo,
Talvez o encontro no passado
Do que não nos abandona,
Quiça o que melhor nos dilui.

Eu, que sou um ladrão barato,
Já roubei tantas almas
Deixando meu coração como rastro
Por cada caminho que passei,
Pelos muros que pulei,
Pelos segredos que desvendei.
Também fui réprobo das coisas mais banais
Que podemos livremente debochar.
Joguei fora a minha honra por um pedaço de pão qualquer,
Daqueles que se atira desleixadamente aos pombos do cais.

Mas certa vez quando puro, quando inteiro,
Certa feita quando simples e inocente
No silêncio do meu quarto roguei à vida
Que me desse um grande amor.
Foi um pedido de uma criança
Que ansiava por crescer, sem, contudo saber,
Que sua alma diminuiria com o passar do tempo.

Como é de se presumir a encomenda entregue
Não fora bem exatamente o que eu pedira:
Amor reprimido, amor revelado.
Encanto, sedução, indiferença, distância.
Rejeição, sabedoria, disfarces.
Fado, loucura, grito, dor e pecado.
Em suma um amor solitário.
Ora, do que reclamo? Não fora o amor
Meu primeiro e último desejo?
Toma-lhe e cala-te boca então!

Vamos ser sinceros?
Nossos sonhos de nada servem
Se para a vida não estiverem de acordo
Com as nossas reais e cruéis necessidades.
Mas o que podemos afirmar ser necessário?
O que será a vida para confiar-se a tamanha presunção?
Nós mudamos com a mesma facilidade
Daqueles que por teimosia recusam-se
A se verem transformados.
Alguns levam pedras no peito,  outros nem coração!

Ao abrir a minha caixa de Pandora
Aprofundei-me no mais profundo abismo que havia.
Consegui escalar arduamente o caminho regresso
Rumo ao topo do precipício. Hoje, porém, ando sôfrego,
Ando embriagado, ando perdido.
Ao mesmo tempo com desvelada candura,
Preencho outros tantos vazios:
Seja dos homens da noite que sequiosos me procuram,
Seja dos amigos afetuosos, aos quais devo máxima lealdade.

A única coisa que me fizera malogrado
Fora ter tornado-me completo, incrementado,
Sem sequer querer!
Fora ter tornado-me autossuficiente
No que diz respeito aos sentimentos,
Já que a emoção é a maior caloteira da esquina,
Digamos que uma exímia mestre em nos boicotar.
Não, não posso negar, de nada lamento.
Ainda assim sou demais para mim,
Ao mesmo tempo não me basto.

Então certo amor outrora estava lá,
Tão empoeirado quanto intacto
Dentro da minha caixa de Pandora.
Desconheço a causa, mas creio-me
Que ao menos fui feito para o papel
De heroína, de vilã,
De mocinha, de donzela amada,
Mas não... Para quê?
Nos palcos das minhas tragicomédias
Só me delegaram o papel de amante, de errante.
O papel do tolo sábio, o grande degenerado.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Fuga da Vida Mesquinha & Barata (Pedro Drumond)




Fuga Ligeira da Vida Mesquinha & Barata
(Pedro Drumond)

Recusando a vida mecânica
E tão presumível que me oferecem,
Me desvio do peso dos ditames
Que ao homem tanto corrompe, tanto padece.

O preço que se paga por existir sem querer
É maior do que apostar naquilo em que se quer ser.
Me deram todos os truques do xadrez da vida
E eu não aceitei ser pião, ser cavalo,
Não aceitei ser nem rei, tampouco rainha,
Pois não quero ter uma alma condenada
Ao estilo dos destinos marcados.
Não quero correr o risco de perder
Todo o meu universo interno de criação
Em prol de um modelo de vida venerado e vazio
Que por trás da sua máscara nunca deixou de ser
Desesperado e insípido.
.
E o peso de ser leve como uma pluma,
Tão cheio de brios e sonhos,
Mas sem qualquer objetividade,
É o pior castigo que se alastra
Por entre as vísceras das entidades.
É aquilo que mesmo me proponho
Sem a ninguém poder culpar, sobreposto que sou
A mais longa espera de mim mesmo
E eu nunca me chego... Eu nunca venho me resgatar.

Como consequência de não ter aceito
Nenhuma das propostas que me foram feitas
Para ser aceito e bem quisto,
Como razão de ter sido tão imperfeito
Preferindo não morrer de tédio e horror admiráveis,
A única chance que possuo aos poucos vai se esvaindo.
Ensinei tanta coisa aos outros,
Tanta coisa sem nada ter aprendido.
Dei para alguns outros certo sentido, certa sobriedade,
No entanto a minha própria obra de arte
Foi pela que menos trabalhei.

Eu posso partir sem nenhum amor, sem nenhuma glória.
Eu posso chegar a viver faminto
Tanto de matéria como de espírito,
Mas a melhor postura de um general de si mesmo
É não curvar-se perante os resultados
Profetizados pelos seus próprios medos.
Só o fato de nascer já é um desaforo
Ao mesmo passo que uma lisonja,
Ambos impossíveis de distinguir.

Sim, meus passos são muito lentos,
Mas estou em fuga ligeira da vida mesquinha e barata.
Sei que nada posso esperar mais de mim.
Vou fugir para a terra-de-seu-ninguém, vou fugir!
Vou me consumir, não me detenha, vou me matar!
Vou de uma vez por todas começar o meu fim
Vou o meu fim para sempre começar.

Da Dignidade (Pedro Drumond)





DA DIGNIDADE

Ás vezes uma guerra acaba quando o verdadeiro vencedor invade o território alheio trazendo um frágil, porém invencível gesto de amor - ou melhor dizendo uma flor - do que mais uma granada - ou melhor dizendo mais um ressentimento - para oferecer. Nosso coração pode até ter sido feito para doer, mas nossa consciência não. Ousar surpreender os fantasmas do passado com uma troca de afeição é melhor do que esperar receber algo em troca, que pela nossa vez, deve ser dado em abundância. E ainda que tal estratégia, em nome de um bem maior, caia no fracasso, pelo menos a tentativa te torna mais digno perante os teus próprios olhos. E essa é a coisa que mais importa na vida - ser digno perante a si mesmo. Porque o que mais dói realmente no homem não é o que os outros lhe rogam com júbilo ou mágoa, mas sim todo o conhecimento que ele tem do que se tornou ou não por iniciativa própria.

- Pedro Drumond

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Carta A Um Jovem Artista (Pedro Drumond)





Carta A Um Jovem Artista

Então o ser humano torna-se um servo da deusa, Arte. Assim faz-se um deus, ora vindo do acervo secreto das pérolas do Olímpio, ora supostamente sendo apenas mais um escolhido que em meio a multidão, destacou-se com o seu brilho próprio.

Cuidado com as ninfas ou os elfos, chamuscados pelos seus doces cantos de seduções quase irresistíveis. O humano que deu vida para a sua divindade só pode vibrar com o silêncio das deusas ou deuses da mesma estirpe que por acaso esbarrarem no seu caminho. Cuidado com os bajuladores, os que estão ao seu lado apenas na hora da glória - um humilde súdito da arte só conhece os grandes espetáculos da vida e dos seus bastidores solitariamente. A arte será o fundamento pelo qual se vive, se morre, se eterniza com o poder do próprio fim. A arte, assim como o templo da vida - o até então teatro - não será apenas uma arena para o exercício da vaidade, mas sim uma dimensão superior para p exercício da espiritualidade, da humanidade intrínseca e potente que haja em ti.

A arte não fora feita para o grã público da realidade, mas sim para os pequeninos desbravadores da fantasia! Ao receber críticas ou elogios, não enxergue aí algum resquício de diferença - para o artista nem um, nem outro, são impressionantes. Dessas direções o artista não pode depender. A arte foi feita para causar o espanto, o absrudo, o despreparo, o inusitado e máximo silêncio dos reflexos distribuídos. Hás de ensinar várias coisas para todos, criar, quem sabe, uma grande obra viva, mas ao único qual nada conseguirás ensinar algo será a ti mesmo, pois serás o único que vais desconhecer a própria obra de arte por ti proclamada. É preciso desconhecer. É preciso o mistério. É preciso o insondável. Ter um contato mais puro com a arte é como ser surpreendido por alguém que invade meticulosamente seu quarto altas horas da noite. Alguém que faz amor com você. Alguém que lhe provoca o maior dos orgasmos. Alguém quem reverbera o seu corpo, os seus instintos, as suas emoções, o seu espírito no mais elevado do extremos. Alguém quem lhe faz tudo isso, sem que se possa saber quem é, pois seu rosto estava mascurado e esse alguém fugiu pela janela sem dizer sequer uma palavra.  Assim é o preço que se paga sem nada possuir quando nos lançamos aos percalços do mundo rumo a tudo o que a deusa, Arte, tenha a nos oferecer.

Tu que trabalhas com a vida dos personagens e suas palavras - sejais um deus do silêncio! Sobreposto que em silêncio haverás de perceber quem verdadeiramente lhe ama ou ardentemente lhe amou (passando despercebidamente pela sua inocência); hás de reconhecer o desafio promissor e principalmente a verdade que abrigas sem consciência dentro do seu inigualável ser interior. Tu, servo, se escolheres a arte para se fazer mais humano, assim como os outros, terá total majestade na alma!

Abraços de uma sombra...
Pedro Drumond

terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Grande Desaforo (Pedro Drumond)





Grande Desaforo (Pedro Drumond)

O que não podemos é erguer muros
Ao redor dos nossos corações.
Não podemos generalizar as pessoas
E ainda assim esperar que elas sejam diferentes
(Veja só nossa falta de perspectiva!).

Muito covarde é aquele quem não ama por medo de sofrer
(Porque esquece-se de que também sabe fazer o outro chorar!).
Muito covarde aquele quem se isola para "não quebrar a cara"
(Como coisa que não é capaz de destroçar corações!).
Muito covarde aquele quem acreditou na desilusão
(E no entanto não provou ser uma desencanto distinto!).

O amor existe sim, mas ele só é capaz de viver
Naqueles que atingem uma dada essência
De regar, independentemente, o amor-próprio
Do qual o outro não é obrigado a estar presente,
Nem tampouco responsável por estar a altura
Dos planos e condicionamentos que se alimentam.

Que me perdoem então os humanos,
Que me desculpem os enamorados,
Que me relevem os que sempre chegam onde pretendem,
Mas o que não posso é acobertar o desgosto
De ouvir daqueles que jamais traduziram
O silêncio dos seus sentimentos,
Discursos banais e caluniadores,
Como se o amor fosse um grande desaforo.
Como se o amor não fosse um direito de viver.

segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Anjos & Demônios (Pedro Drumond)






ANJOS & DEMÔNIOS (Pedro Drumond)

Enquanto na vida houverem belas histórias para se contar havemos de viver com paixão a realidade, inspirados a superar e transformar todo e qualquer o horror que por ventura encontremos nos nossos caminhos, pois  afinal de contas, o horror não passa de um simples pesadelo. Assim como os sonhos, não há pesadelos eternos! Hoje trabalhemos madrugadas sobre a luz da lua, lançando nossos sonhos sobre a terra nua. E se por acaso dormimos antes de chegar o arrebol, uma nova geração colherá o fruto do nosso trabalho - um novo sol!

O vazio de não há de possuir mais nem a dor para nutrir o coração. O vazio deixado pela liberdade do nada na alma é uma coisa terrivelmente assustadora! Há dias em que você sente até uma doce saudade da tristeza, por mais que lhe tomem por louco acaso certa vez ouse revelar tal disparate. Mas você sabe do que eu estou falando. Sim, a tristeza ao menos era um canal, mesmo que bruto e denso, mas uma ponte, que bem servia para te conectar ao amor. E quando até mesmo a tristeza te abandona, como acha que pode se sentir? Quando não há mais nada - nem a dor, nem o prazer, nem os sonho, os pesadelos, quem dirá a realidade - quando só há o vazio de um terreno que outrora foi um palco de palácios e hoje, abandonado, aparenta nunca ter sido habitado, como se sentir? Havendo apenas a escuridão do útero estéril, como viver? O amor é fascinante porque é um trabalho de parto, delicado, arriscado, porém de um ganho incomparável a cada vez que se ousa orquestrá-lo. Muitas vezes nascemos desse parto do amor; Crescemos, edificamo-nos, até que chega a hora em que sentimos os ventos e nos desfarelamos brutalmente. Outras vezes morremos no processo de gestação ou na hora de ir ao encontro da luz da vida, resta-nos apenas a metade do caminho. Amar é brincar de ser Deus. Viver de amor é uma infantilidade. Morrer com amor no coração, simplesmente é ter conseguido ser humano, justo no momento mais importante da vida - o da morte.

Repare numa criança que é incapaz de realizar os grandes feitos de um adulto - construir um império, resolver problemas, tecer complexos, amar, desamar e por aí vai ... - observe uma criança, "inferior" pela sua capacidade de poder responder. A criança limitada, muitas vezes é mais livre do que o adulto, tido por ilimitado. Com certeza o adulto repara a criança inocente e pura com um certo desapontamento, uma certa pontada de inveja. Por que temos que nos curvar diante do tempo? Por que temos que travar batalhas com os seres mesquinhos que influem mais no mundo do que a alta patente dos deuses? Os deuses também sofrem. Imbuídos de poderes e potências super-humanas, eles dispendem o olhar banhado com o sentimento de injustiça de não poderem ser humanos. Seria tão mais fácil! Quanto mais se pode voar, mais o solo aparenta ser o seu melhor abrigo. O adulto não pode mais retornar e se dar o luxo da brisa fresca que decorre daquele estado - o da infância do espírito, o estado da recém geração do ser. Mesmo que pequeno, o ser infantil contém um infinito bem maior do que aquele que se possui ao crescer, pois quanto maior se torna o homem, mais o tempo lhe diminui.

Um anjo é capaz de fazer mais absurdos temidos do que um demônio. Entre um anjo e demônio talvez eu escolhesse tomar uísque com o demônio à um chá das cinco com um anjo. Um demônio é capaz de amar verdadeiramente, operar milagres e ser mais confiável que um anjo divino, do qual tudo se espera, menos o pior. Assim são os seres humanos. Quantas vezes não chamamos as bestas, as feras truculentas, as espécies mais perigosas, de "Totó"? Não confio em águas rasas, plácidas, porque de  suas profundidades sempre podem emergir catástrofes. Já das poças de lamas mais profundas sou capaz de extrair as entidades mais límpidas, corretas, preciosos diamantes do Olímpio. Oh, céus, que os anjos nunca me escutem!

sábado, 11 de janeiro de 2014

Lágrimas de Deusas (Pedro Drumond)





Lágrimas de Deusas (Pedro Drumond)
As lágrimas mais sublimes
Que regam o que guardo de melhor na alma - o amor -
Escorrem por um simples mortal
Que desmereceu o seu mérito
De ter-me transformado em uma deusa.

As lágrimas mais sublimes
Que me escorrem no silêncio da dor
Pranteiam alguém que não me levou a sério,
Que simplesmente me tratou com a gentileza
Com a qual dedicava a qualquer outra pessoa,
De modo sempre descompromissado e indiferente.

Ninguém desperta o amor em outro ser
Simplesmente assim, sem mais nem menos, por quer.
O amor se trata mais de uma graça do que um grande poder.
A deusa que destruiu impérios, que castigou os tiranos,
Que salvou inúmeras vidas, orientou tantos perdidos
E por fim foi incumbida de controlar a magia do tempo,
É a mesma deusa que no seu invejável palácio
Sente-se mais desabrigada que um mendigo.
Sente-se frágil, amargurada e esquecida
Como uma geniosa obra de arte
Que termina seus derradeiros dias
Desprezada no fundo de uma lixeira.

A cada vez que encontro
Um novo sorriso teu estampado em fotografias,
Choro infantilmente, por não poder ser a razão
Da tua aparente felicidade.
Choro por nem por poder me iludir, por um instante,
De seres tu, amado meu, a vasta razão
Da felicidade que não é minha.

Certamente lhe fui mais uma dessas almas que a vida,
Sem aparente motivo, coloca em nossos caminhos
E sem que que percebamos retiram-nas de nosso viver
Assim - sem mais nem menos,
Sem justificativas, sem previamente avisar.
Que diferença isso faz, ora bolas?!
Que espécie de dor isso haveria de lhe causar?
Nenhuma... Nenhuma...
É meu amado, melhor do que ninguém eu sei...
Nenhuma!

Mas digo que sou uma mortal, disfarçada de deusa,
Que inegavelmente tantas almas marcou,
Conseguindo por um breve momento
Ser e fazer a diferença na vida.
Essa mesma diferença nos apresentou
Sem deixar, todavia, de negar a sua incompletude,
Pois para a tua alegria, para a tua tristeza,
Para a tua mais sutil veleidade e loucura,
Não fui motivo, não fui pretexto,
Não fui sequer presença, quem dirá a certeza?
Não fui a deusa que é só tua.

A deusa fatalmente não deixará revelado
Para os seus futuros adoradores
A verdadeira tragédia e o único sentido da sua vida.
A deusa que maneja a magia das constelações,
Contemplando as estrelas, cujo intenso brilho lhes são atribuídos,
No final sente-se tão só, sem céu, sem portos-seguros, sem sonhos,
Incapaz de defender-se da miséria daquele mortal maldito
Que nem ao menos merecera uma poesia de sua autoria,
Quem dirá as suas lágrimas turvas... Ah, deusa! Ah, deusa!

Outrossim a deusa se rende, a deusa conforma-se.
Sabe que nada pode fazer, pois ao deserdar-se
Do seu dito venerado, a deusa, tão mulher que é,
Tão sensível e igual como todas as outras,
Sedenta de princípios, chora suas lágrimas de saudades
(Lágrimas de deusas), lágrimas sedentas de cura.
A deusa chora as lágrimas mais sublimes...
Sim, meu caro, a deusa, também como as mortais,
Chora por amor suas lágrimas mais impuras.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

Marés Inconstantes de Emoções & Vazios (Pedro Drumond)





Marés Inconstantes de Emoções & Vazios
(Pedro Drumond)

Estou digerindo, aparentemente com dificuldade,
O medo que se desfigura no meu ácido estomacal.
Sim, mais parece que engoli um buraco negro
Que a tudo suga, que a tudo absorve.
Tudo o que aliás está fora do meu controle:
Os fantasmas, as previsões,
Os prelúdios, os devaneios.

Estou com medo... Não me acudam, de nada adiantaria.
Estou simplesmente com medo!
Sou um ser envenenado pela racionalidade
Pela frieza, pelo calculismo,
Pela reflexão, pelo olho nu e cru.
Com isso trago comigo toda a espécie
De sonhos, ilusões, deslumbres e fantasias,
Que causam esquizofrenia à alma, à mente.
Trago comigo a servidão ao absurdo!

Que adianta então ser dotado de certa inteligência
E viver como um ignorante, um bitolado,
Nos limites de um burro de cargas?
Que adianta ser tão profundo
E viver nos limites da superfície?
Que adianta ser uma pessoa potencialmente amável
E viver como segunda opção, servindo de amante?

Meu pior medo se concretiza - ser uma pessoa
Modificada na sua natureza pela vida:
Nascer otimista, morrer pessimista.
Nascer pessimista, morrer otimista.
Nascer nada, morrer tudo.
Nascer tudo e morrer como um mero nada.

O que me falta? Boa pergunta!
A vontade, a força, o impulso...
Quem sabe o demônio na alma?
Me falta sim um grande motor
Que me faça seguir adiante nesse tráfego,
Entretanto, por mais que seja veemente
O meu chamado, dirigido às forças do destino,
Sou completamente ignorado pelo que busco.
Sinto-me como se gritasse para o fundo de um poço
E só recebesse os ecos de minha própria voz
Como um sacrifício elegante da lei do retorno.

Muitas vezes apenas o silêncio
É o que queremos como resposta.
Sábio daquele que sabe como dizê-lo
Tal qual o prazer sentido pelo regresso
Que supera a tristeza deixada por qualquer partida.
Estou de partida... Sei que estou...
De partida... Sim... Quase definitiva...

Não saber o que fazer da vida, estando ciente disso,
É pior do que viver ignorando o que faz.
Qual será a diferença, portanto,
Entre a tristeza que nos assombra
E a felicidade que apenas nos rondeia?
O que será que não haveremos de jamais permear?

Talvez ir-me num único dia do céu ao inferno
Em marés inconstantes de emoções e vazios
Para depois dormir como se fosse no espaço
Uma ameba que flutua sem rumo,
Sem direção, sem sentido,
Seja o efeito colateral de fatalmente existir
Sonhando tão alto como as próprias estrelas.
Sonhar alto no ponto mais minúsculo do chão,
Sabendo que nada está ao controle de extirpar-se,
Mesmo que eu seja o único que deslumbre esse todo,
É o fato principal que prestes chegará ao seu fim.

Fim? Que isso!
Vai começar tudo de novo, meu amigo, isso sim!
Se ilude não, seu moço. Ah, e ouça só o que estou falando
Olha só o futuro que nos aguarda... Sim, o futuro...
Isso, ali... Repare... Nele é com amor e por amor
Que estamos milagrosamente findando.

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Amor & Prazer, Os Hóspedes (Pedro Drumond)






Amor & Prazer, Os Hóspedes
 (Pedro Drumond)

Talvez eu tenha abrigado o prazer
Como o mais novo hóspede do meu coração,
Já que o amor partiu num dia de chuva fina
Deixando meu quarto revirado
Com seus pertences todos esquecidos.
Foi-se embora, de rompante, sem nada dizer
Sobre o que achou da minha hospedagem.
Sem sequer pagar a conta, sem ter sido grato,
Sem ter deixado um simples bilhete de adeus.

Doravante, o vazio deixado no meu lar
Provou-se tão descomunal,
Que tive de refazer tudo o que foi devastado.
No entanto todo esforço realizado
Não fez nada ser como antes.
Então num dia desses, em que eu brincava com as moscas
E escutava um bálsamo de arte, diluído em silêncio e poesia,
Do antigo rádio que herdei da minha avó,
Escutei batidas graves feitas nas portas do meu coração...

Alguém chamou com uma voz melíflua pelo meu nome.
Aparentemente envolvido num súbito de aflita atenção,
Me dirigi às minhas superfícies para ver
Do que se tratava todo aquele alarde.
O rádio agora chiava.
Calhordas, eu estava tão bem quando só!

Então um forasteiro tido por prazer,
Pedira para se instalar no interior do meu ser.
Eu, que muito havia ouvido falar sobre ele,
Mas pouco o conhecia,
Resolvi abrir as minhas janelas,
Arejar os cômodos do meu interior,
Fechar com mais afinco algumas câmaras secretas
Que preservavam a minha verdadeira essência,
E depois pude recebê-lo, por fim convidando-o a entrar.
Observo o quão esse novo hóspede é singular.
Certamente expresso um sorriso largo (e falso)
E ternamente o trago para os meus braços abertos.

Não sabia, porém, que o prazer vinha acompanhado
De uma corja de conhecidos seus
Que lhe faziam visita com boa frequência.
Usando-me como pretexto para tal,
Os conhecidos postos pelo prazer no meu caminho,
Passaram por mim como meros desconhecidos
E desconhecido deles também fui outro.

Graças a algumas exceções, pude oferecer
Alguma essência minha, alguma intensidade,
Alguma pureza nas minhas deslumbrantes apostas.
Quitutes esses que eu costumava a dedicar outrora
Exclusivamente ao amor, até o dia em que ele partiu
Deixando a mesa suja e repleta de migalhas
Do pouco que restou de mim.

Desses ditos cujos, apresentados a mim
Por intermédio do prazer, que dei do pouco
Nutriente restante, mais agradável ao amor,
Foram poucos que aceitaram tais graças.
O prazer se alimenta de outras coisas - segundo eles -
E nos oferece apenas como pagamento
Quantias exorbitantes de encanto, ilusão,
Energia e sabor, que mesmo saciados um dia,
Não crescerão com o passar do tempo implacável,
Como o fazem os frutos do amor, podados nos jardins da alma.

O meu coração era um lar cheio de vida.
Depois ficou deserto, frio, vazio.
A partida do amor pareceu ter me roubado
Meu grande sentido, que ficava exposto
Como obra de arte num canto qualquer.

O prazer, depois de quase falido meu hospedeiro coração,
Adentrou em mim antes que pudesse sequer contestar!
Porém reconheço que me fez mais homem, me fez mais mulher.
Para o mundo, certamente, deve ter-me feito mais alguma coisa.
Para o mundo apenas, exceto ao meu universo particular.

Ainda sinto saudades do amor, confesso.
São com os olhos rasos d'água e nítidos em sua nostalgia
Que me recordo das manhãs em que nós desjejuávamos
E nos púnhamos o restante do dia a tecer os nossos sonhos,
Assim como os delírios mais surreais por nós reservados.
Inebriados, como duas crianças brejeiras,
O amor e eu dividíamos um êxtase sincero e profundo.

O amor em tanto me enriqueceu
Para depois partir como se fosse
Um pobre mendigo, flagelado de uma figa!
Meus Deus! Será que deixei de ser-lhe útil?
Será que o amor encontrou outro coração
Melhor que o meu para se instalar?
Fiz alguma coisa de errado? Ai de mim!
O que deixou de estar do seu agrado?
Não lhe dei o devido à sua altura? Ai de mim!

"Besteira, menino! Venha para cá, estou a sua espera!"
- declama o prazer lá dos quartos do fundo...

Falso seria dizer que atendê-lo é uma tortura.
Não... O prazer é até muito convalescente e dedicado,
Mas em comparação ao amor... Ah, o amor!
Tão misterioso, tão envolvente... Ah, o amor!
Nunca me disse, de fato, de onde vem, para onde vai.
Só sei que ficar, que é bom mesmo, ele jamais fica.
As marcas deixadas pelo amor, essas sim,
São o que se eternizam e melhor me vigoram.

Todavia sim, o amor sabe onde me encontrar.
E quando for para vir, ele volta - ah, se volta!
Tomara que o prazer a essa altura
Já tenha seguido o seu destino.
Mas vai que os dois se encontrem,
Se conheçam, se fundem um no outro
E tornem mais completo o meu ninho?
É... Não custa nada sonhar!

Meu corpo é o deserto onde vivo,
Passem por ele quantos homens forem precisos.
Mas apenas para o amor, o sublime amor,
Meu coração servirá de lar. Oxalá!

segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

O Mais Tirano dos Devaneios (Pedro Drumond)




O Mais Tirano dos Devaneios
(Pedro Drumond)

E se a morte realmente atendesse aos meus chamados
E me fizesse subitamente partir num lance inesperado?
A saudade, a dor, o privilégio de viver e até a tristeza de amar,
Isso tudo eu não poderia mais sentir?

Estou cansado de escrever-te.
Fadado de não ter saído do mesmo lugar.
Estou aqui, sozinho.
E o tempo passando, passando...
Na medida em que cada vez mais
Vou sendo pressionado a fazer algo pelos meus sonhos.
Sonhos dos quais não estou mais à altura de escolher.

Até mesmo os outros casais
Sendo um dia destruídos
Pelo fato de estarem juntos
Puderam por sorte se amar
E eu? De que agouro posso me gabar?
Não estive nem contigo,
Quem dirá com mais alguém.
Por que não posso amar?

Nessas estradas sem destinos
Jamais me acompanhara uma sombra se quer.
Exceto pelo amor flagelado.
A sorte que me guarda será aquela
De não ter sucumbido ao meu único anseio?

Eu, que estou perdendo a única chance que tenho
De acontecer, de viver, de ser o ápice do meu limite,
Apenas sigo desorientado sem saber para onde ir.
Incapaz de confiar e de contar até comigo mesmo.
Eu deveria ser a minha maior prioridade!

Eu, ainda aqui, a sonhar por reencontrar o ser amado.
Já ele tem sua vida própria, coisa de que me esqueço.
Eu, mero idiota, que posso dizer que tenho?
Alguma esperança? Resta-me alguma solução?
Alguém afinal sabe o que é sanidade?

Eu sou uma folha morta, contorcida.
Sobrou-me da caixa de Pandora da vida
O mais tirano dos devaneios - a solidão!

Incoerência (Pedro Drumond)






Incoerência
(Pedro Drumond)

O ser humano é capaz de ignorar
Com a frieza de um psicopata,
Com o coração petrificado de um necrófilo,
Um amor transbordante, verdadeiro,
Raro e celestial. Isso para dar atenção
E total apreço às toscas ilusões,
Às coisas mais vãs, banais e mentirosas,
Isentas de uma essência maior
Que perpetue em seu caminho.

O ser humano deixa de abraçar
Aquele que lhe nutre no peito
A maior das ternuras, o maior dos apreços,
Para agarrar-se com qualquer um
Que satisfaça seus instintos
E prazeres mais baratos e passageiros.

O ser humano não passa
De uma grande incoerência.
Depois de velho sente o peso da solidão
E depois ainda é capaz de dizer
Que fora o seu destino o grande ingrato.

O ser humana passa a vida inteira
Em busca de alcançar suas utopias,
Mas não sabe reconhecer quem o ama e idealiza.
Mesmo apesar das inconstâncias,
Junca sabe dizer quem de fato se dispõe
A permanecer ao seu lado.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Schopenhauer fala sobre os poeta






O (...) poeta retira da vida aquilo que é particular e individual e o descreve com precisão em sua individualidade; mas, dessa forma, revela a existência humana em sua totalidade (...) embora ele nos dê a impressão de estar preocupado com o particular, está na realidade preocupado com o que é universal e atemporal. A partir daí, conclui-se que as frases, especialmente as que são ditas pelos poetas dramáticos, se aplicam com frequência à vida real, mesmo sem serem apotegmas de sentido mais amplo.

No decorrer da sua vida e dos infortúnios que ela traz, ele irá deixando de voltar-se exclusivamente para sua própria sina e enxergará a sina da humanidade como um todo e passará a conduzir-se (...) mais como aquele que adquiriu sabedoria do que como aquele que sofreu.

Lágrimas Saudosas (Pedro Drumond)





Lágrimas Saudosas
(Pedro Drumond)

Não importa o motivo,
A tragédia não significa o corpo, mas sim a alma.
Dentre as coisas aparentemente
Menos importantes do mundo,
Hoje confesso que pude chorar... Chorar, eu pude.
Depois de muito tempo sem ser visitado
Pela lavadora de almas,
Pela amiga "non grata" - a famosa, Tristeza -
Apenas o que eu sentia de leve
Era aquele seu perfume de alfazema,
De rosas murchas, de fel e de sal,
Em algum beco qualquer por onde eu perambulasse.
"Ela está por perto!" - eu pensava - mas eu não era,
Nem jamais fui, capaz de alcançá-la.

Há tempos sem um pranto embriagador,
Daqueles que colhem e recolhem o pranto acolhedor,
Eu já me tinha como alguém sem vida,
Uma fonte seca, vazia, sem profundidade.
Um solo sem fertilidade, um útero estéril.
Me via profundamente incomodado de não reverberar
Com as alegrias do inferno nem com os tormentos do paraíso.
Engasgado o desabafo, a verdade é uma completa mentira
E mentirosa também se faz a minha verdade.
A vida é isenta de princípios e esse é o seu único sentido.

O ser que trago aqui dentro de mim,
É um prisioneiro no meu calabouço,
No meu escuro em meio aos meus entulhos.
A besta feroz e angelical que vingo disfarçada
É meu ser abissal que me acompanha como sombra
E do qual sou incumbido de preservar a cada estrada que cruzo.
"Solidão, solidão... Solidão..." - ela adora cantar.

Ela, a besta, a fera, emerge à superfície
Das minhas saudosas lágrimas
Tão especiais que o são para mim.
Fazendo-me sentir novamente humano
Nas mais apoteóticas revelações
Da minha fraqueza, da minha pequenez
E do meu enorme sentimento
Pelo tudo e pelo nada.

O pranto que há muito tempo me abandonara,
Retornara com tudo! Lavou meu ser, lavou minha alma,
Mas também deixou seus espinhos, suas adagas.
Guardarei interminavelmente
Depois de secas as minhas lágrimas saudosas,
Cada lembrança justificada pela suas marcas.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Os Abismos da Vida (Pedro Drumond)





Os Abismos da Vida (Pedro Drumond)
O sábio que desvenda os mistérios da vida
Assim como da alma do homem,
Consegue se iludir com o que lhe for mais inverosímel
De maneira que suas dúvidas se consomem.

Já o simples amante que possua
A nobre capacidade de amar
E a triste incapacidade de ser
Aquilo que tanto deseja, tendo o que lhe apraz,
Ao ser questionado se vale a pena de amor sofrer
Ele afirma que está disposto a sofrer ainda mais.

Agora se formos falar do poeta
Rejubilado ao poder falar às pessoas
E ter a sua poesia ouvida dos cantos mais desolados,
Como do deserto do Saara aos mineiros do norte do Chile,
Como do Estreito de Ma­ga­lhães aos tosquiadores de ovelha do Caíro,
Situados num galpão com cheiro de lã suja, suor e solidão,
Temos que nos lembrar, como Neruda o fez,
De que Deus são todos, algumas vezes. E nada, sempre!

Eu, quem amo as ciganas, os mistérios,
Eu, quem nesses segundos que me ocorrem,
Matuto sobre o meu destino
- para onde me levarão os abismos da vida? -
Eu, quem vez ou outra encontro algo desconhecido,
E acabo escutando que "Grandes coisas,
Assim como a pequena felicidade,
Estão a minha espera com toda certeza",
Concordo que deveria viver mais,
Se não houvesse aceito a proximidade da morte.
Apenas não ter existido um dia é a maior das tristezas!

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Um Ser Humano Completo, Um Amante Desfeito (Pedro Drumond)






Um Ser Humano Completo, Um Amante Desfeito
(Pedro Drumond)

A vida nova pode estar prestes a começar,
Mas eu sempre faço questão de pisar no meu próprio calo,
Salgar a minha ferida e fazer da minha maior cicatriz
Um novo machucado. O que pretendo com isso?
Retornar... Sim, retornar...
Retornar ao passado e ao amor primeiro
Que me fez outrora um ser humano completo
E em outras eras um amante desfeito.

Fico vislumbrando sua imagem, meu querido,
Que preservo comigo por onde quer que eu vá,
Sabendo penosamente que a minha evolução pessoal extirpa
O efeito catastrófico que antigamente tu tinhas sobre mim.
Como é triste ser triste sem lágrimas para chorar.
Como é triste o amor ter sido gerado numa alma,
Cujo útero é estéril como o meu.

Nessa minha compulsão febril
Por ter estancada a frieza do meu ser,
Eu sempre hei de amar, amar desvairadamente,
Mesmo que incapacitado de sofrer
Ou um dia ser feliz, ganhando algo por isso.
O que trago na alma é uma tristeza morta
A qual sempre recorro para lembrar-me
Do sentido da minha vida e da razão pela qual
Ela estará isenta de princípio.

Posso ter daqui por diante
Caminhos gloriosos, caminhos depreciantes.
Não importa! Já disse uma vez que o amor
Fez de mim uma ilusão torta
E uma presença sempre infinita.
Posso eu, portanto, passar
Por inúmeros recomeços, novas vidas,
Mas o meu amor por ti, o meu querido segredo,
Esse jamais termina por si só...
Sempre há de me assombrar
Meu amor por ti, meu querido segredo,
Jamais termina e nem há de começar!