sexta-feira, 30 de agosto de 2013

O MEU SENTIDO DE SER (Pedro Drumond)





O MEU SENTIDO DE SER
(Pedro Drumond)

Hoje eu aprendi o que é ganhar a vida
São as lágrimas de amor, de ternura
De saudade, de bem querer
O esboço tímido ou extravagante dos sorrisos
Que provocamos no decorrer das faces alheias
Quando, por alguma ventura ou desventura, estamos de partida

Hoje eu aprendi o que é ganhar a alma
No frenético cotidiano da nossa sociedade
As pessoas se surpreendem com o absurdo de serem cortejadas
Cortejadas sem desejo, sem paixão, sem mor causa
Apenas com a leve intenção de serem agradadas, acolhidas
Simpatia, sorriso, afeto gratuito, sensibilidade
O amor não se negocia, não se vende
O amor humano só pode ser um desapego
De uma marca irreparável cuja tinta é feita de grãos de areia

Note que quando se desatam os nós
Mais contínuos, compridos, se mostram os laços da união
Que promovem o diferencial na vida ou no dia
Seja dos transeuntes ou dos companheiros de nossa mesma navegação
Já que estamos todos na truculenta busca ao destino da travessia
Nossa maior riqueza é dada para quem se vai
E nosso elegante repartir é dado para quem fica
Reservamos, bem pensado, em nosso estoque secreto, a chave de ouro
Para nós mesmos, que ainda estamos para nos encontrar

Hoje eu aprendi a gostar do meu valor
Que não é muito, nem pouco
Mas certamente me fora dado para se tornar profundo
Temos duas escolhas - Ou deixamos marcas ou cicatrizes
No interior das pessoas, ou seja, não haverá quem escapará facilmente
Pelo funil da indiferença
Deixemos de lado, portanto, os grupos, as ilhas, as tribos
E nos dissolvamos num bravo oceano só
Não existem grandes revoluções
Senão os pequenos e infinitos milagres do dia a dia
Dar-se uma palavra ou um silêncio
Um olho no olho enigmático que quebra a lataria de segunda categoria
Do nosso núcleo robotizado de convívio, anterior ao princípio da vida
No templo dos meus longos ais deixei prescrito: "Dar-se a ti mesmo".

Hoje eu aprendi o sentido da minha aparição
Não trago o céu, não trago o inferno, não trago o socorro
Apenas me dê a sua mão e vamos cruzar juntos
Essa labareda, aquele jardim, pode ser também o deserto acolá
Ou solte-me de vez os punhos e despenquemos separados
Juntamente com o trunfo do universo e suas estrelas

Eu não quero mais ser completo, atingir o status quo, "monte-everestizar"
Considero falida a velha utopia de me autoconhecer
Eu quero sim estar, sempre e cada vez mais fragmentado
Diluído, changueado, adejado...
Deixando-me enfim espalhado com o embrulho da minha essência
Em quantos depósitos de almas, de homens, de consciências me houverem

Eu aprendi a apreciar o meu valor (Surpreso por ter algum...)
Porque não nasci para ser um tesouro (Oh, graças!)
O sentido da vida é medíocre às verdades e expectativas baratas
Uma vez exclusivo ao desfalque ou o esfarelado de concreto dos tempos
O meu sentido de ser é estar perenemente vivo
(Ainda que falecido) nos outros...

sábado, 24 de agosto de 2013

Penitência (Pedro Drumond)

Penitência

O silêncio é a minha penitência
Já a Lua, o consolo daqueles que dos olhos amados
Nem mais possuem a presença
Meu amor foi silenciado
Meu canto não pôde ser cantado
Meu temor veio à tona - Sobreviver...
Minha alma, cheia de fantasias,
Acorrentada esteve no ópio das realidades cinzas
E dirão os guerreiros que eu poderia tê-la mudado
Dirão os moralistas que eu não era digno
Dirão os pessimistas que tudo está acabado
Porém dirá a minha esperança que chegamos aqui por engano
A vida não existe na minha solidão
Ela partiu junto com o coração
Daquele a quem perscruto, daquele a quem tanto amo.

- Pedro Drumond

domingo, 18 de agosto de 2013

Um Fantasma sem Lar (Pedro Drumond)



Um Fantasma sem Lar
(Pedro Drumond)

As minhas lágrimas agora
Não caem mais com tanta poesia por ti, amor
As minhas lágrimas agora
Estão em um número bem reduzido, pois que em meu peito
Houve um dia tanto sofrer, tanto querer, mas agora sem ti,
Nem me há nem restos, restos de dor

As minhas lágrimas hoje são mais puras
Ou talvez mais vazias
As minhas poucas lágrimas
Certamente são desculpas
Por não ter sabido manter a promessa
Por ter enfim... "evoluído"
(Por ter seguido o maldito conselho do mundo,
"Superar é o caminho", ah, que equívoco!)
Perdendo, consequentemente, o melhor da minha humanidade
Que é o amor vindo da lama
Que nunca lava a roupa suja por completo
Que fazia-me descabelado, despedaçado, a deixar-me nos umbrais, nas frestas
Nos cativeiros da alma, ouvindo os zumbidos da vida livre, insossa, lá fora
Ah, aquele modo de amar!

Sem ti antes estive e obviamente sabia do mesmo depois
Tu podes não ter estado comigo, mas eu, pelo menos, já estive contigo
E lamento a incapacidade de me dar esta revelia agora
Lamento o que não posso mais me tornar
Mesmo ciente da tua distância em nossa época
Do horizonte que eras ao se aproximar de mim
Para com ironia me acenar
Ciente daquela tua fingida cegueira
Em razão da minha verdade
Ainda que sem tato, tuas mãos deslizassem
Sobre meu rosto, com dormência
Sem deixarem as marcas que eu próprio inventava
Do teu carinho
Ali o amor utópico fazia fidedigna minha essência

Sinto saudades, amor, pois não sonho mais contigo
E se quando eu sonhava, amava, fazia-me tolo e primitivo
Hoje vejo aquilo ter sido melhor
Que o meu atual nível de espírito
Nada mais sou que um fantasma sem lar
Pois hoje vivo amando, sem princípio, sem valor,
Deixando-me por meios não confiáveis desviar
Amando, confesso, mesmo a inexistência do amor
Mesmo a ineficácia que é viver

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A Imputável Cura do Ser, O Canto do Silêncio (Pedro Drumond)

A IMPUTÁVEL CURA DO SER, O CANTO DO SILÊNCIO
(PEDRO DRUMOND)

O que restou do amor
Que deixou o deserto da minha alma mais vazio de si
Como se nem pudesse existir para ser habitado
Ou mesmo incogitável de se tornar uma inquieta dimensão
Cujo propósito é servir-se de abrigo aos espíritos perdidos?
O que sobrou-me senão um arrepio a vibrar meu corpo inerte
Quiça um longo suspiro, advindo de uma canção
Que faz do passado uma alucinação a colocar em dúvida
A veracidade do que seja real e se ela de fato isso me concerne
Afinal das contas, o que restou de mim?

Uma canção que faz do passado, do passado... Ah, o passado...

(Passado: Belo aos nossos olhos por ter sido encerrado, e melhor entendido quando visto de fora, por via de outros ventos, eis que aí possui uma verdadeira essência, ciclos encerrados, prolongando continuamente sua influência por toda vida; estranha dicotomia, não ser o mesmo e alguma coisa ainda ser, antes uma personagem, e depois uma fotografia, antes vivo, em seguida um sobrevivente do que um dia foi a vida; antes o acusado, depois a testemunha e no final, mais importante que contra ou a favor, é o ato de escolher, do que o indicado a preferido, assim juiz, de tal forma o passado é vingado, nada do que foi é mesmo o que hoje tem sido; como realmente saber o que é fato, se agora tua constância se desvia e teu equívoco rarefeito segue seguro um destino?)

Quanta pretensão para uma só alma à toa como essa minha!
Diz ela que deseja dar o que a vida ainda não tem,
Ser o que ela não se tornou, sentir o que ela não ousaria
Transformar-se num sonho do qual ela nunca despertou,
Descobrir o que ela desconhece, criar o que ela não elaborou
E eis que, neste fado, enclausura-se de tudo e de todos
(Pode uma coisa dessas?)
Sem aspirar, qual donzela, nada menos que a presença do amor
Pretensão ou meta? Incoerência ou sentido?
De que valem todas essas palavras
Se não são capazes de roubar-me nada do que trago comigo?

Uma grande alma, cristalizada de loucura, certa vez alertou-nos
Do risco de olhar em demasia para dentro do abismo
Sendo este, segundo lhe consta, capaz de passar a enxergar
O que há e o que não há (principalmente) dentro de nós
Mas enamorar o céu, com suas noites bruxuleantes ou dias pincelados,
Faz-me certo da imputável cura do ser
(Não científica, não religiosa, não filosófica,
não espiritual, apenas uma compensação do universo, deste caos primordial)
O céu é o reflexo do nosso olhar
E é exatamente nele que situam-se todas as repostas
(Não em um Deus, retórico,
Mas num céu, andrógino)

(Para quê temermos a morte se, quando trazidos ao mundo à luz do parto,
Nada sentimos que um dia estivesse na nossa consciência? Nascemos sem saber e morreremos da mesma forma)

Oh, céus, que tiranizam a vida tão intocável por nós, eternos insatisfeitos,
Aparentemente deixando-a ali, ao alcance de nossas mãos,
Tão longínquos estamos e no entanto a temos preenchendo todo o espaço
Urge-nos o canto, o canto do silêncio, e a visão de que transcendemos
Mesmo quando não nos aniquilamos
Ainda que por ventura (ou loucura?) fosse essa nossa obrigação

Urge-nos o canto do silêncio, aos céus com suas respostas de agora
Amigo Cartola, não posso deixar de lhe confessar, as rosas realmente não falam. Docemente elas só sabem tolher a fragrância dos homens
As rosas só sabem chorar, amigo, só sabem chorar...
E nós, o que sabemos?


quarta-feira, 14 de agosto de 2013

AMOR ENTRE ANÔNIMOS



AMOR ENTRE ANÔNIMOS

Não é possível, não pode ser possível! Eu conversei com o amor, eu dialoguei com essa entidade, ela estava aqui, bem ali, exatamente nesse ponto em que a sombra permeia o vazio do meu quarto, enquanto as luzes da televisão são neons infantis que decidem perturbar o plenilúnio da luz fria, gelada e ufológica da lua. Sim, o amor estava aqui, ele chegou da rua, ele sentou-se comigo, nós nos conhecemos. Ele me contou os seus segredos. Por Deus, ele me revelou que precisava de mim! Nunca, em qualquer momento da minha vida, um amor se confessou necessitado de si mesmo e me confundindo como tal. E ele sabia que eu tinha a minha alma para dar. Ele sabia que a minha alma estava há tempos na vitrine, em exposição dramática, nas prateleiras em que os usuários pegavam, apalpavam, lambiam e a sacudiam, conferiam o seu prazo de validade, e a abandonava no exato momento em que descobriam que minha alma, sub-produto de todo desperdiço de inquietação do universo, jamais fora testada. Era até então sem propósito. Pois bem, o amor queria, ele me confessou, ele precisava ser desejado, ele queria que eu fosse sua rainha, ele queria um mundo só nosso, ele confessou isso a mim, ele me disse todos os versos que eu declamei e aqueles que eu não mais acreditava ser capaz de transcrever. Incrédulo e deslumbrado. De um extremo ao outro eu percorri. O amor disse-se carente e na medida em que mais pintava-me as telas do seu vazio, mas relatava  quantidade que tinha dentro de si de sentimentos reprimidos, intocáveis, que cobravam-lhe de uma vez por todas um abrigo. E eu era um lar. Não menos órfão, perdido. Mas era... O amor falou de um mundo só nosso, falou comigo tudo o que eu sempre quis ouvir, nós não fizemos sexo, não nos tocamos, não nos exaurimos... os corpos seriam entulhos sobrepostos a outros, certamente, evitamos, nós nos despimos desta carcaça bruta e etéreamente sobrevoamos as estrelas, que por sua vez ficaram confusas, com tamanha energia expandida deste encontro que aconteceu na tangibilidade da imaginação ante-humana.

O amor queria me proteger, mas precisava demais ser protegido. A medida que me prometia um universo de coisas, ele também confessava-se sem núcleo, sem vida. O amor espera de mim aquilo que ele quer me dar. O amor reservava para mim aquilo do qual ele menos se abastecia. O amor veio, anonimamente, no irreal, e eu conversei com ele, nós cantamos uma ópera, nós nos silenciamos. Nós fomos nós. O meu "eu" até então não tinha nem a mim em sua conotação. Era simplesmente...

 Eu queria encontrar o amor, oh como queria me prostrar diante dele, como uma estátua grega, nua, com partes fragmentadas do espírito genial que não mais se materializava no corpo, eu queria me encontrar com o amor, no entanto ele, justo o amor, teve medo! Teve medo de nós. Teve medo! Paralisou! Absurdamente o medo berrou para acabarmos com aquela harmonia. Que era singela, pura. Era a primeira vez que o amor amava, segundo ele, naquelas condições inenarráveis, era com tamanha urgência que ele me chamava, ele dizia "Vem, vem, vem", ele tanto dizia, mas quando era para eu ir, ele teve medo. Não consigo acreditar... Era novo demais o amor se libertar. A vida resolveu colocar esse enfermo que vendia a vitalidade sagrada diante da minha fúnebre marcha pela existência, justamente para nos curarmos sem anestesia. Nem dor, nem tristeza ficaram cicatrizadas depois disso. O que ficou foi somente a chama desperta dentre em mim, a fera acordada, e que uma vez invocada, se não tivesse um percusso, vagaria por entre o mundo dos vivos, dos mortos e dos que foram salvos de serem algo, por toda eternidade. Como um zumbi. Era um caminho sem volta, então por que ele adentrou-se em mim? Na minha onírica necessidade de amar?

O amor disse que me amava e pedia para eu dizer o mesmo. E eu dizia, profundamente, mesmo não o conhecendo, mesmo não sabendo quem era, mesmo não lhe vendo, eu troquei o mantra sagrado da vida, eu disse: - Eu te amo. Porque eu fui novamente capaz de sentir. Eu não estava tão morto quanto supunha, por céus, eu não estava! Isso não era uma brincadeira, era seriamente grave e real. Se podíamos compartilhar assim, presumo porque não tínhamos nada a perder um com o outro. Não nos possuíamos. Não éramos libertos, tampouco presos. Éramos simples fugitivos. Estávamos no meio de um suicídio e despencados do alto de um prédio, trocávamos nossas últimas elucubrações. Ele perguntava o porque eu estava ali e eu dizia que era pelo mesmo que ele. Antes de nos desfarelarmos ao chão, podemos nos guiar, juntos, por segundos, antes que a vida escorresse secamente. Tudo aquilo que aconteceu era muito mais uma necessidade de nós dois dividirmos um com o outro, o que jamais seríamos capazes de doar para quem invadisse nossas realidades. Nós precisávamos desabafar juntos aquilo tudo que estava acumulado, nos desfazendo afinal do que fora acumulado sem penalidade em nós mesmos. Eu e o anônimo trocamos nossas almas depois de tanto desperdiçá-las vida a fora. Foi como um processo de fertilização - não sabendo de quem pertence o material paterno e materno, era assim que ganharíamos vida. E foi assim que pela primeira vez eu não morri sem ser amado. Fomos amados, amamos. Tudo o que eu sabia era que o amor se chamava... se chamava... Oh, cruel anonimato!

PEDRO DRUMOND