sexta-feira, 16 de agosto de 2013

A Imputável Cura do Ser, O Canto do Silêncio (Pedro Drumond)

A IMPUTÁVEL CURA DO SER, O CANTO DO SILÊNCIO
(PEDRO DRUMOND)

O que restou do amor
Que deixou o deserto da minha alma mais vazio de si
Como se nem pudesse existir para ser habitado
Ou mesmo incogitável de se tornar uma inquieta dimensão
Cujo propósito é servir-se de abrigo aos espíritos perdidos?
O que sobrou-me senão um arrepio a vibrar meu corpo inerte
Quiça um longo suspiro, advindo de uma canção
Que faz do passado uma alucinação a colocar em dúvida
A veracidade do que seja real e se ela de fato isso me concerne
Afinal das contas, o que restou de mim?

Uma canção que faz do passado, do passado... Ah, o passado...

(Passado: Belo aos nossos olhos por ter sido encerrado, e melhor entendido quando visto de fora, por via de outros ventos, eis que aí possui uma verdadeira essência, ciclos encerrados, prolongando continuamente sua influência por toda vida; estranha dicotomia, não ser o mesmo e alguma coisa ainda ser, antes uma personagem, e depois uma fotografia, antes vivo, em seguida um sobrevivente do que um dia foi a vida; antes o acusado, depois a testemunha e no final, mais importante que contra ou a favor, é o ato de escolher, do que o indicado a preferido, assim juiz, de tal forma o passado é vingado, nada do que foi é mesmo o que hoje tem sido; como realmente saber o que é fato, se agora tua constância se desvia e teu equívoco rarefeito segue seguro um destino?)

Quanta pretensão para uma só alma à toa como essa minha!
Diz ela que deseja dar o que a vida ainda não tem,
Ser o que ela não se tornou, sentir o que ela não ousaria
Transformar-se num sonho do qual ela nunca despertou,
Descobrir o que ela desconhece, criar o que ela não elaborou
E eis que, neste fado, enclausura-se de tudo e de todos
(Pode uma coisa dessas?)
Sem aspirar, qual donzela, nada menos que a presença do amor
Pretensão ou meta? Incoerência ou sentido?
De que valem todas essas palavras
Se não são capazes de roubar-me nada do que trago comigo?

Uma grande alma, cristalizada de loucura, certa vez alertou-nos
Do risco de olhar em demasia para dentro do abismo
Sendo este, segundo lhe consta, capaz de passar a enxergar
O que há e o que não há (principalmente) dentro de nós
Mas enamorar o céu, com suas noites bruxuleantes ou dias pincelados,
Faz-me certo da imputável cura do ser
(Não científica, não religiosa, não filosófica,
não espiritual, apenas uma compensação do universo, deste caos primordial)
O céu é o reflexo do nosso olhar
E é exatamente nele que situam-se todas as repostas
(Não em um Deus, retórico,
Mas num céu, andrógino)

(Para quê temermos a morte se, quando trazidos ao mundo à luz do parto,
Nada sentimos que um dia estivesse na nossa consciência? Nascemos sem saber e morreremos da mesma forma)

Oh, céus, que tiranizam a vida tão intocável por nós, eternos insatisfeitos,
Aparentemente deixando-a ali, ao alcance de nossas mãos,
Tão longínquos estamos e no entanto a temos preenchendo todo o espaço
Urge-nos o canto, o canto do silêncio, e a visão de que transcendemos
Mesmo quando não nos aniquilamos
Ainda que por ventura (ou loucura?) fosse essa nossa obrigação

Urge-nos o canto do silêncio, aos céus com suas respostas de agora
Amigo Cartola, não posso deixar de lhe confessar, as rosas realmente não falam. Docemente elas só sabem tolher a fragrância dos homens
As rosas só sabem chorar, amigo, só sabem chorar...
E nós, o que sabemos?


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