segunda-feira, 31 de março de 2014

Presente Estático (Pedro Drumond)






Presente Estático
(Pedro Drumond)

Estou diante da tão rarefeita lâmpada mágica.
Estou diante de um guloso buraco negro
Que pode me trazer à margem da realidade
Todo o imaginável e inimaginável disponível
Que eu bem queira e possa exigir.

E o que eu faço com isso? - você me pergunta.
Nada! Absolutamente nada! - tenho que confessar.
Não chego a lugar nenhum, tampouco
Venho me sentindo propício a um dia chegar,
Pois me é nítido que tudo já é o fim!
E mesmo que eu pensasse diferente - antes que me conteste -
Quer queira eu ou não, é assim... É assim sim!

Tenho um grande poder em minhas mãos,
Mas estou impedido de aplicá-lo, de saber usá-lo,
De até supostamente merecê-lo.
Estou como quem deveria da sua vida já possuir
Algum sentido que lhe bastasse,
Como se tal fosse a premissa de poder ser
- Quando for tempo de crises ou calmarias -
Melhor assistido, melhor incentivado,
Mas não... Ai de mim! Nada mais me inspira,
Eu nada mais aspiro. E é justamente isso o que deixa
Minh'alma ainda mais aflita!

Eu posso chegar a ter todas as respostas que bem quiser
Sim... Neste exato e fatídico momento
Tudo o que me aguçasse a curiosidade seria revelado,
Mas de que adianta? Estou congelado!
Estou petrificado por capricho do destino.
Veja bem, nessa minha alma,
Que outrora tinha-se por inquieta,
Não urge sequer qualquer temperatura,
Qualquer pergunta para sanar o meu vazio.
Céus, o que está acontecendo comigo?

Não me orgulho de nada que digo,
Mas também tudo o que expresso não lastimo.
Apenas contesto, confesso e constato.
Sei que expressar as minhas guerras
Não faz de mim um melhor ou pior soldado,
Mas sim, independente de sair vencendo ou perdendo,
Essas épicas batalhas internas fazem de mim
Alguém mais digno de ser considerado
Como um grande guerreiro
Ou mais provavelmente um fracote lutador.
Resumo da ópera:
Enquanto poeta, enquanto sentimento,
Posso me dedicar a tudo, a todos...
Mas hoje em dia, exceto ao amor.

Não me vem em mente
Algo qualquer a se alcançar no futuro,
Tampouco algo a se resgatar do passado.
Estou simplesmente no presente, estático,
Paralisado, vazio, sem princípios nem desvios.
Estou comprovando tudo aquilo
Dito pelos nossos antepassados:
- "O ápice da glória humana" -
Segundo os mesmos, difícil de de ser alcançado.
Para mim o intento ocorreu com a facilidade
Que se cai uma folha de outono.
Os rastros deixados por essa estação
Se acumularam como a pior consequência
De eu ter sido escolhido para o que não almejei.

Coube a mim, portanto, desiludir-me
No que diz respeito ao então grande sonho do mundo
Que vislumbro a acenar-me pelas janelas de um trem
Que segue a contra-mão do meu próprio tempo.
Lá fora um ditador criminoso ou um falho segredo
Significam para mim o que somente entendo
Como o meu grande pesadelo.

Impelimentos da Alma (Pedro Drumond)




Impelimentos da Alma
(Pedro Drumond)

A alma me impele a fazer das coisas mais absurdas
A minha mais concreta normalidade.

A alma me impele buscar
Aquilo que não se encontra.

A alma me impele a sentir
Aquilo que não se sustenta.

A alma me impele a compreender
Aquilo que não se entende.

A alma me impele a desejar
Aquilo que não satisfaz.

A alma me impele a ser
Tudo aquilo que já não sou
Nem gostaria de ser mais.

A alma me impele a seguir meu itinerário
Na condição de um viajante perdido.

Sem mantimentos e sem as demais reservas.
Fazendo-me ficar impelido, quando em prece,
A não querer mais saber aonde vou.
Doravante procuro alguma forma de me esconder
Disso que os homens prevem como destino,

Sendo que eu, por minha vez, constato
Tal ideia, isenta de suas variantes e demais frestas,
Como um inexorável, longo e sufocante delírio!

HEY, TIO, VOCÊ É SOZINHO? (Pedro Drumond)






HEY, TIO, VOCÊ É SOZINHO?

Hoje eu tive um sonho um tanto quanto diferente e especial. Por sinal, um belo sonho. Um sonho poético. E ao mesmo tempo um sutil tapa na minha cara dado pela minha alma, por suposto. Pois bem, comecemos...

Eu estava em uma cerimônia, um reunião eventual, dada num lugar aberto, árido e botânico. Haviam muitas pessoas incluídas nessa ocasião, palestrando sobre coisas diversas. Não as reconheço como meus conhecidos. Eu só podia mesmo era ouvia o cochico de suas vozes. Eu, me encontrava na verdade tutelando uma garotinha. Minha atenção e os meus cuidados eram totalmente voltados à ela. Sim, era uma linda menina aparentando uns cinco, seis anos de idade. Uma boneca! A garota, que me inspirava um profundo instinto paterno (o que definitivamente não possuo) era portadora da Síndrome de Down. Reconheci isso nitidamente. E nesse sonho, que talvez fosse um escárnio do destino para com a minha realidade, a linda garota conseguiu a proeza de silenciar todos os então presentes naquela cerimônia, inclusive eu, dirigindo-me a seguinte pergunta:

- Hei, tio, você é sozinho? - soltou tal questão de modo tão despreocupado.

- Sozinho, eu? - nervoso sorria, sem entender - Sozinho, você quis dizer? - perguntei de modo carinhoso.

- Sim, tio, isso mesmo, sozinho. Você é? - repetiu a garota de modo ainda mais angelical.

- Bom, querida... - nervoso - Eu acho que não... Não! - firme - Mas por quê a pergunta?

Todos estavam atentos ao nosso diálogo. De modo descarado e ao mesmo tempo ansioso.

A garota então respondeu com propriedade e pureza:

- Bom, eu estranhei o seu silêncio, pois você é o único por aqui que não fala de amor!

O único por aqui que não fala de amor...
O único por aqui que não fala de amor...

E esse foi o sonho que a fábrica onírica e pertubada da noite reservou para mim.

Seria essa passagem, esse devaneio, um mero sonho ou a mais lúcida expressão da minha (ou da sua) realidade?

Eu sou sozinho?
E você, é sozinho?
Bom, vamos falar de amor?

- Pedro Drumond

domingo, 30 de março de 2014

Almas Sangrias (Pedro Drumond)







Almas Sangrias
(Pedro Drumond)

Um amor aéreo traduzido sob o aspecto
De qualquer outra paragem.
Apenas a angústia de amar
É o nosso alívio de existir - o resto? Bobagem!

Amar seres de paragens distantes
Como se tudo o que nos fosse dado
Se tratasse de afetos aspirantes.
Difícil é acreditar no chamado
Do que quer que esteja
Ao nosso mero alcance
Dessa forma, o tempo, de um modo orgulhoso,
Vai se tornando cada vez mais perdido.

Não existem momentos para as almas sangrias
Que nascem e morrem num mesmo suspiro
E eternizam suas próprias histórias
Que jamais ocorreram
Nas curvas de um mesmo instante.

Ter o corpo preso à Terra
E o coração ligado aos céus,
Assim alguns amantes
Afrontam a medida certa
De se conectarem ao amor,
Regido sob o percusso dos mausoléus
Próprios de um mundo estranho,
Onde quem aparenta-se imbatível
No final das contas é o mais propenso dos falíveis.

Estamos em uma dicotomia distinta.
Estamos aquém de nós e além da vida.
Estamos com as nossas almas numa sangria aguda!

A única coisa que queremos saber
Não é aonde estamos ou para quê serve coisa alguma.
A única coisa que de fato urgimos em ser
É a sombra de quem não acompanhamos.

Renascedor das Cinzas (Pedro Drumond)






Renascedor das Cinzas
(Pedro Drumond)

Você, quem está renascendo das cinzas,
Porque ainda não foi carbonizado por inteiro,
Confesse que tudo o que menos te preocupa
É o que fará o destino de ti mesmo,
Pois fácil já sabemos que é morrer...
Morrer de medo!
Na realidade o maior risco que corremos é viver...
Viver um segredo!

Viver um segredo? - você me pergunta -
Sim, algo qualquer do qual você revele para todos,
Mas tenha a obrigação de ocultar
Principalmente de si mesmo,
Do contrário acabaria fazendo
Uma tremenda besteira, concorda?
Quem sabe um tiro na cabeça?

A verdade é que aquele quem renasce das cinzas
Aprende a desejar tudo, exceto o fim de suas tristezas.
Senão, que fim levariam as suas certezas?
Cadê o nosso gim nessa hora?

Temos muito mais
A necessidade de nos sabermos frágeis,
A necessidade de nos sabermos fracos,
A necessidade de nos sabermos ninguém,
Do que a simples e boa educação
De nos ignorarmos, de permanecermos aquém.
Ainda que seja propício ficar alheio a todo resto,
O segredo é ir além de onde havíamos começado.

Diga-me, renascedor das cinzas,
Em nome de tudo que tem-lhe fatigado,
Como você será amado por alguém - se é tudo o que mais te peço?
Diga-me, renascedor das cinzas - veja bem, não vale me ludibriar! -
Como seremos, ambos, amados por alguém,
Se nem a nós mesmos somos capazes de amar?

quinta-feira, 27 de março de 2014

Vírus Sentimental (Pedro Drumond)





Vírus Sentimental (Pedro Drumond)

Ah, meu coração que já foi tão sufocado
E por pouco escapou de morrer de amor!
Hoje, vive a procura da sua dor,
Perambulando em esquinas duvidosas
Na certeza de prosseguir ao encontro das correntes
Que outrora haviam-lhe paralisado.

Ah, meu coração que agora é uma bela pluma ao céu,
Faz-me sentir o estranho fato de ser livre
Quando em outros tempos, claustrofóbico,
Tivera mais aconchego. Meu coração, antes injustiçado,
Hoje em dia daria tudo para voltar a ser réu,
Para amar com desespero.

Por que me entristeço à toa?
Sou poeta, meu caro - lamento -
Se eu não tiver alguma tristeza
Sem problemas, eu invento!

Passamos nossa vida em busca de tudo
Que nos preste a gentileza
De trazer o sabor da "primeira vez".
Amar, meus amigos, é sempre um ato inédito
Pouco importa quantas vezes venha a ser repetido.

Como se nada já fosse familiar,
Nossas outras tentativas fortuitas de doação
São apenas o que temos para desperdiçar,
Já que o nosso vírus sentimental
Jamais se vê esgotado do deserto que é existir.

Ah, meu coração... Ah, meu coração!
Amanhã por causa do amor
Sonharei em ser réu
Voltado a uma pena sem fim,
Enquanto isso tudo o que tenho
Permanece restrito e velado
Por ora não passo de mais um
Ou menos outro amante injustiçado.

Esquecimento, O Signo da Vida (Pedro Drumond)






Esquecimento, O Signo da Vida
(Pedro Drumond)

O que há de mais irritante na vida
É saber que tudo o que nos rouba o eixo no dia a dia
Futuramente poderá ser recordado
Como um signo de imensa saudade!

O que chutamos porta afora,
O que tanto renegamos,
Um dia pode vir a ser
O nosso rarefeito elixir da existência,
Tornando-se por fim
O nosso clamor por piedade!

Pudessem as pessoas esquecerem-se
De todos os deuses que veneram,
Outrossim esse tal Deus energúmeno
Pelo qual - sem muito convencimento -
Permanecem precavendo-se.

Pudessem as pessoas esquecerem-se
Desses tantos anjos e demônios alados
Que por aí - não sei como - bem espalharam,
Já que uma vez, esses pobres coitados
Não possuem nenhum pouco de sossego,
Nem sequer têm aonde morar!

Pudessem as pessoas esquecerem-se
De toda e qualquer ilusão
Seja de tempo, espaço ou matéria,
De toda e qualquer distinção
Seja de bem ou de mal,
Como se ambos não fossem
Nada mais, nada menos,
Que o valor de uma mesma e incalculável moeda.

Pudessem as pessoas não mais apoiarem-se
Sobre as suas seculares e primitivas muletas
Até que deixassem de acreditar
Que ainda existam grandes diferenças
Entre o que hajam-lhes trazido felicidade ou tristeza.

Pudessem as pessoas fazerem
Uma pomposa marcha fúnebre
De modo que ocorram-lhes
Uma completa lavagem cerebral
(e ao mesmo tempo cardíaca!)
Ao afogarem-se nas profundas águas transparentes
De suas essências ocultas, de suas ideias cristalinas.

Pudessem as pessoas desconsiderarem
Tudo o que quer que ainda precisam atender,
Seja por superior ou inferior
(a ordem é sempre uma desordem!).
Quem sabe assim elas não seriam mais humanas?
Quem sabe assim elas não seriam regidas pelo signo do amor?

Pudessem as pessoas esquecerem-se
Do que não seja apenas elas mesmas - só para bastar! -
Pudessem as pessoas simplesmente
Se esquecerem de esquecer,
Já que o signo do esquecimento,
Ascendente daquilo que nos ensina o mundo,
É a maior lembrança da sabedoria do universo.

Já saibam que a vida não é perfeita
Por isso há de ser tão sublime.
A vida é uma jovem, velha bêbada,
E de moral deveras duvidosa,
Pois acredito que é justamente isso
Que faz o signo da existência tornar-se,
Sobretudo sóbrio e confiante,
Sendo que a vida nos responde pela eternidade,
Pois ela não passa de um simples instante,
Portanto, podemos respirar aliviados...

Atenção: O signo da vida lhe alerta, não se esqueça!
"Sorria, pois a morte pode estar ao seu lado."

sábado, 22 de março de 2014

Encarando-se Depois de Morto (Pedro Drumond)





Encarando-se Depois de Morto
(Pedro Drumond)

Que devaneio mais assombroso esse meu!
Será angelitude ou possessão de minha parte?
Só sei que não se explica
A inconfundível paralisia do espírito
Sofrida quando, no ápice da loucura
De ser intensamente sozinho,
A pessoa passa logo a se imaginar falecida.

Bem assim... Como se por um segundo
Fosse alguém totalmente distinto de si:
Encarando-se de fora, encarando-se depois de morto.
Passando por suas fotografias, por suas declarações,
Por suas obras, por suas digitais, pelos seus rastros,
Com o pudor e zelo com que se conecta
Com o atalho deixado por uma alma
Que já fora autora, cedo ou tardiamente,
Da sua irrevogável partida.

Como é estranho então morrer internamente
Se for para se encarar exteriormente
Com os sentimentos oriundos de "outro",
Somos regidos pela brevidade de um tempo qualquer.
É como se a morte emprestasse-nos certa beleza divina.

Como se ela, a dita morte, tornasse a pedra
Num piscar de olhos, um fulguroso diamante.
Como se ela, o que chamam de fim,
Levasse-nos a encarar
O nosso ente próximo ou distante
Como devíamos tê-lo feito por toda vida:

Como um milagre que não se conspurca.
Como um mito, uma miragem, uma visão
Que por ser intangível, mais real se qualifica.
Como de fato um milagre da vida
Que não causa maiores perturbações,
Posto que a natureza humana
Depois de provar-se humana
Através de sua mortalidade
É mais sincera, é mais pura.

Como uma natureza que não nos fenece
E sim como um milagre
- A simples existência do ser -
Coisa tal que singularmente nos dignifica!

A Única Novidade do Amor (Pedro Drumond)





A Única Novidade do Amor
(Pedro Drumond)

Tu que me deixas para viver de outro amor
E me encarregas de enterrar a nossa história
Até as suas derradeiras quimeras.

Tu que me deixas,
Posto que outro amor lhe chama,
Hás de por outro destino trilhar
Sem, contudo, se deparar
Com o mesmo coração elegido
Com a alma que no começo dizia-se certa.

Tu que me roubas tuas vestes, tuas tralhas,
Tu que me limpas os armários e o ninho bélico
No qual juntos, em sonhos diluvianos, bem nos amávamos,
Perdes o nosso lar, agora sem fascínio
Sem sequer pensares nas causas
De terminares a vida dentre em breve
Como um andarilho dos sentimentos.

Tu que me deixas para viver outro amor
Surpreso que estás por não ter de mim qualquer reação,
Respondendo por mim digo que estão
Apenas essas lágrimas densas e internas
Ao som de profundo infindo silêncio.
Não sabes tu, ora ,meu Orfeu, ora  meu Jasão,
Quão inútil é travar uma guerra no coração
Entre aquele que ignora o propósito de ser feliz
Para matar quem fica à míngua de sua tristeza.
O amor não morre, pois ainda sobrevive após o fim.

É certo que estás de partida,
No entanto antes mesmo de teres ido
Não foste tu quem me fugiu em tua ida sem volta.
Não há o que me desagrade nesse ciclo.
Digo sim que fui eu, quem descobri
O que é a liberdade do amor - algo chamado Adeus.

Sou condenado a vê-lo voar
Para bem longe do meu ninho.
Cria-se o mundo, deseduca-se o lar.
Aliás, já foste, querido?

Entre alegrias e tristezas
A única novidade do amor
É que nele não há mais surpresas.
Entre alegrias e tristezas
A única novidade dos humanos
É que suas mentiras são suas certezas.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Garganta Assassina (Pedro Drumond)




Garganta Assassina
(Pedro Drumond)
Sacos de areia,
Incêndio que permeia,
Arranhões, farpas,
Cacos de vidro, veneno corrosivo,
Garganta assassina, garganta benevolente,
Garganta traquina, garganta conivente.

É pela garganta que meu espírito vai se esvaindo
É pela garganta, instrumento dos meus suplícios,
Que de uma vez por todas esqueço de tudo e morro.

Silêncio, forçado, que dói até as entranhas
Silêncio, sagrado, que alivia a peste que tanto me sangra.
Regurgitar tudo o que engoli da vida
Até esvaziar-me, passivamente assistindo
Tudo o que a morte lentamente me tira.

Vou morrer pela garganta é nítido!
Já que meu coração tantas vezes
Veio parar nela. A vida não vale
Os seus resgastes, as suas reviravoltas,
Tampouco o preço que mensura
Pelas sequelas que dela são acarretadas.

Lá fora, o majestoso tempo, por sua vez
Deslancha-se numa tormentosa tempestade.
Pelo meu degrau também surgem alguns raios de sol.
Estou morrendo discretamente
No meio de uma multidão, sem chamar atenção.

No entanto, junto aos sonhadores e descrentes,
Pertenço para a nossa existência anfitriã
Ao mesmo rol daqueles que nunca tiveram
A sábia sorte de poderem para si mesmos mentir,
Afinal de contas, que importância me convence
Da necessidade de estar aqui?

Sejam os outros apenas os meios
Pelos quais nos fragmentamos
Na ilusão de nos perpetuarmos.
Seja por nós mesmos
Quem iniciamos nossa jornada
Mais atraídos pelos caminhos descobertos
Do que pelo nosso anseio já conhecido.

A verdade é que sozinho vim ao mundo
E será justamente sozinho de modo secreto,
Repentino e impactante, que dele hei de partir.
Simples assim...
Fim!

domingo, 16 de março de 2014

Conversa com Margarida - Pedro Drumond




Conversa com Margarida - Pedro Drumond

Olá, Margarida! Que bela manhã de sol, não acha? Por que vim aqui? Ah, faz tanto tempo que não nos encontrávamos! Por acaso não está feliz em me ver? Sei que está feliz porque só posso te colher quando for para te regar de alegria, de vida! É disso mesmo que você se alimenta, não é mesmo, Margarida? Quem diria, diria você, Margarida, que no meu peito uma brisa de ternura e liberdade da solidão, me sombreia, como todo esse acervo rico com o qual você convive nesse ardoroso jardim? Pois bem, vou despetalar cada inocência sua junto às inúmeras intensões que se enlaçam na minha alma. Para começar, Margarida, pergunto-lhe: O que faço comigo, hein?

Eu estava distraído, Margarida. Eu estava andando assim, um pouco confiante, mas nada tão excitante; Eu vinha pelo seu encontro quando fui interrompido. Um olhar do outro lado da rua berrou o meu nome. Era um desconhecido. Os olhos falam em segredo aquilo que a alma torna explícito. Ele veio falar comigo, Margarida, você acredita? Ele não era o amor, ele não era amigo, ele não era dor, ele não era nem inimigo. Ele era espírito! Um espírito maravilhoso desses em forma de gente. Desses que deixam nosso coração doente. Doente de vida, vida que não finda, sutil aforia de tantos enganos - magia, Margarida, magia!

Conversamos, Margarida. Silenciamos muito também. Margarida, hoje eu vivi um amor sem sequer planejar! Tudo o mais próximo que de amor que pude alcançar, eu apenas havia sentido, jamais de fato vivido. E hoje - olha que estranho! - eu vivi um amor sem necessariamente o sentir. Hoje eu terminei sem penúrias, sem precisamente ter chegado ao fim. Acho que foi isso. Margarida, pela primeira vez eu vivi um amor! Um amor que em apenas algumas horas serviu-se de um tempo indistinto para aplacar toda a minha vida de ciganice. Um amor em horas que me fez pertencer a uma classe de seres humanos que sem saberem o por quê, comem capim, como se sentisse o sabor divino de um digno banquete dos deuses. Margarida, eu vivi um amor em horas que eu vou levar para toda a eternidade! Um amor de fim de tarde. Não importa se eu não passarei outras tardes como essa. Houve outro amor, esse mais trágico e perdido, que me ensinou a ser sozinho, lembra-se, Margarida? É... Mas não quero que você esqueça de uma coisa: Independente do resultado, toda vez que o amor atravessa os muros de um ser, jamais o deixa ser o mesmo de outrora. Antes eu sentia o amor pela ausência. Agora, incapaz de sentir amor, vivi-o sem delongas, a diferença foi sua presença! Que absurdo, Margarida, que delírio! Se a eternidade for um incomensurável buraco negro, tranquilize-se, não corro perigo. Estou salvo, Margarida, salvo! Eu toquei a alma de alguém que me deu amor, assim como seu amor orquestrou-se comigo.

Margarida, nós conversamos tanto, tanto, assim como eu sempre palestrei contigo. O mundo anda muito insosso, Margarida, você não acha? Ele despencou tempero em meus lábios. Nos beijamos. E falamos de coisas que somente os exilados do mundo dos sonhos seriam capazes de revelar. Confessei a ele até mesmo as minhas sombrias enfermidades. Você sabe, Margarida, doente de vida, não poderia eu esconder o quanto eu já estava anestesiado pela morte. Morte da esperança. Morte do encanto. Morte da vontade de amar. Morte da admiração pessoal. Morte. A vida dele me livrou do abismo.

Ele dizia que foi muito usado pelo mundo, pelos amores clandestinos, assim como eu. Criticávamos aqueles, que denegrindo nossas imagens, jamais poderiam se tornar dignos da sorte que possuíam de serem filhos da nossa natureza. Ah, se todos os que vivem realmente tivessem a natureza humana... Ele me deu a lua, Margarida, disso pode ter certeza. Nesse momento eu não sou um poeta - eu sou uma mentira que de verdade amou! Ele não queria perder a essência dele, tendo sido tão usado pelo mundo outrora, assim como eu também não queria, tendo sido eu quem usei o mundo aos meus caprichos. Nossa diferença é a de que pequei por deixá-la, a minha essência, correr pelo ralo, esvair pelos caminhos. Ele não, ele era superior: Mesmo se embolando nos infernos mais tiranos, tudo o que permanecia salvo era o seu espírito. Margarida, mais uma vez te pergunto: o que faço comigo?

Nós nos fundimos num abraço, Margarida, você sabe o que é isso? Não era necessário sabermos a nossa origem - o destino já era o nosso maior laço! Isso bastava, pelo menos naquele momento. O tempo é senão um aglomerado de momentos, a duração que o encerra não o torna inválido quando aquilo que nos percorre ainda move os nossos passos - pouco importa saber aonde vamos chegar.

Nos amamos, Margarida, em horas, e mesmo assim não optamos por nos possuir. Foi melhor assim. Isso porque aquele homem foi o único que me apareceu, permitindo-me acessar o seu interior; Se espanta, Margarida? Até eu estou estupefato! Bem sabe você que tudo o que eu fiz até hoje foi chegar até às margens alheias, porém jamais, num coração transbordante de águas essenciais, pude penetrar. Assim como ninguém fizera o mesmo comoigo. Danço de acordo com a música. Certo, dessa vez eu me afoguei, Margarida. E assim como eu, ele tinha muita sede de vida, de verdades, de privilegio! Nós fomos uma rara espécie de amor, Margarida, porque quem nos apresentou foi o silêncio, o sorriso, a emoção. Ao contrário do sexo.

Nós caminhávamos na rua, Margarida. Ele fazia questão de mostrar que juntos estávamos. Ele pegava nas minhas mãos, Margarida, ele beijava os meus lábios. O mundo era nossa platéia - nós eramos as estrelas de um teatro, embora o que promovíamos não se tratasse de ficação. Não exibíamos um "faz-de-conta". Um conto fazia de nós dois simples poemas declamados - no final éramos uma só mensagem. Acredita num absurdo desses, Margarida? É... Se eu houvesse previsto, também não teria acreditado. Assim como ninguém o reportou como um grande tesouro perdido, eu também não me senti menos do que um tesouro encontrado. Um homem, por algumas horas, lentas como o cair das areias do deserto, me fez acreditar que o amor de mim não havia desistido. Estava próximo a mim, sempre a me acompanhar, mesmo que despercebido. Ainda que a vida não fosse feita para a realidade minha junto àquele individuo, transcendi a minha história, Margarida, pois o amor, sem que eu houvesse lhe chamado, se pusera a envolver-se comigo.

Aquele homem era uma mulher assim como eu, Margarida, tenho que confessar. Éramos duas mulheres que se amavam, fazendo uma com o outra, tudo o que os homens jamais souberam nos dedicar. Era como se tivéssemos nos arriscando em concretizar tudo aquilo que até então nos era abstrato. Mulheres que se amavam como os homens que traziam no coração deveriam tê-las amado - intensa, despretensiosa e puramente! Depois nos amamos como homens - incompatível nos era a matéria de identidade, Margarida, uma vez que pelo entrosamento éramos o próprio conceito vivido. Depois não tínhamos mais gêneros. Nos amamos como os anjos, Margarida, isso mesmo - como os anjos! -, dos mais excelsos aos mais decaídos. Encontrávamos-nos acima do amor, acima do sexo; acima da vida e da morte, assim como acima do possível. Apenas nos amamos, Margarida, sob a lei do próprio impossível; Como os seres humanos que se entregam ao próximo, atirando-se do precipício; Esperando, por alguma vontade aleatória, na qual os passos, longos e desorientados que vamos dando na vida, deparam-se com o nosso outro espírito - o espírito do outro.

Bem-me-quer, mau-me-quer, agora eu lhe pergunto: O que é que eu faço contigo, hein, Margarida? Será que eu me apego à sua última pétala, como se essa fosse o final veredito? O que há de me responder? Como viver com amor, Margarida, se o amor, isento de minha pessoa, é tudo aquilo com que mais convivo? Bem-me-quer, mau-me-quer... Mas será, Margarida? Depois de lhe desnudar sobra-me o Sol, entretanto eu já ganhei a Lua! Sim, deu-me a Lua, como aliança inafiançável, este quem agora cito.

Pode deixar, Margarida, deixe comigo! Eu não volto mais ao seu jardim, pois agora eu encontrei um desabrigado da alma, ao qual passarei o meu coração como o seu verdejante abrigo. Se eu ficar sem prumos, não será o problema - o sentido da minha vida é não ter um sentido, do contrário o que de interessante eu poderia desfrutar?

Margarina, você está dormindo? Está divagando em quê, Margarida, em quê?!
Bem-me-quer, mau-me-quer. Além disso tudo, apenas me quero comigo!

(Pedro Drumond)

sábado, 8 de março de 2014

A Pedra do Fado (Pedro Drumond)





A Pedra do Fado
(Pedro Drumond)

Entre matar um inimigo
Ou ensiná-lo a viver como um ser humano,
Eu me arrisco na batalha mais perigosa!
Me arrisco tentar dar excelsa loucura
Àquele que só saber ser insano, ou seja,
Prefiro transmutar o ódio em uma liberdade maior,
Por isso o amor torna-se dispensável.

O amor aprisiona - liga almas nunca unidas.
A liberdade por si só se basta,
Como um capricho dedicado a poucos
Que não estão mais tão incluídos na vida,
Pois que vivem à parte, num mundo particular.

A solidão já é um altar sobre o qual
Se depositam todos os desafetos.
Que meu inimigo desnude minha alma, me inspire.
O que quer que ele diga de mim será o certo,
Podendo terminar num abraço
O  que seria o confronto de duas pessoas
Que até então estavam prestes a se matarem.

Enquanto a pedra do fado, por sua vez,
Rola sobre o papel e ali permanece com soberba inquestionável,
A vida faz daqueles que sempre estiveram unidos
E foram arrancados da verdade proposta um ao outro,
Seguirem, paradoxalmente, destinos completamente distintos
Jamais tornando novamente a se amarem.

A pedra do fado, meus amigos,
Não amacia, mas sim, destroça!

quinta-feira, 6 de março de 2014

O Pacto dos Sentimentos (Pedro Drumond)





O Pacto dos Sentimentos
(Pedro Drumond)

O tempo passa rastejante.
Observo a chuva cair.
Na sala estão os linguarudos.
Eles me contemplam distante
E não percebem que sou capaz
De nitidamente distinguir
Cada açoite que me delegam,
Cada áspero e ácido veneno
Que hipocritamente me injetam,
Cada silêncio da falastrona ignorância
Que corta os seus seus dialetos.

Perscruto o meu interior - nada encontro -
Da vida só percebo o aroma.
Assim embrumo-me em meio as suas fragrâncias.
Agora estou em outro percusso - a viajem se faz longa.
Quantas belezas encontro no caminho!
Quantas tristezas se dissipam!
Finalmente me torno uma questão calada.
A vida provou-se maior que eu
E com soberania amordaçou-me a inquietação.
Agora não passo de uma alma pálida
Plácida, falsa, esquecida e livre.
Em suma: Não passo de uma obra inacabada.

Até mesmo a banalidade é um fardo
Quando ser profundo
Torna-se uma questão obrigatória,
Ao contrário de espontânea.
É injusto nos lançarmos, portanto,
Em aventuras desconhecidas
E logo em seguida, ao abraçarmos
Os caros afetos por nós descobertos,
Termo-lhes arrancados de nós assim...
Sem mais nem menos...
Como a mãe separada do seu filho,
Seja nas guerras ou até mesmo no inferno - vai lá saber...

Se eu acaso encontrasse
Aqueles que por ventura me disseram adeus
Ou que preferiram se apartar de mim,
Supondo que viram
O deplorável quadro de minha alma,
Tal qual Harry Wotton fizera em contra-partida à Dorian Gray,
Tenho plena e convicta a sensação
De que a arte que encontraram
Não fora nascida senão
Para estancar com o tempo
E silenciar as almas afogadas como a minha
Num recolhimento assombroso!

O que quer que eu tenha sentido
De verdadeiro nessa vida
Deveras permanece intacto.
Uma vez feito, jamais sendo capaz
De se reconsiderar dos sentimentos, o pacto
- Essência do homem que sobrepõe-se até de si mesma
Afim de permanecer inalterável  -
Basta que ele, o dito homem,
Seja leal às suas escolhas, aos seus amores.
A dor tortura, enquanto, por sua vez,
A reciprocidade enlouquece!

Estive aqui por quem acreditei
E aqui continuarei estando
Ainda que eu seja sempre dispensável
Para todo aquele que amei.
Fim? Se existe algo do tipo
Para os amores e esperanças humanas,
Como os que sigo como sinais de direção,
O meu sobrevivem mesmo após a morte
Uma vez que tenha sido eu sua solenidade.

Predisponho-me sem qualquer titubeação
A ficar aqui para ser um cadáver,
Naufragando no apodrecimento do tempo,
Até o dia em me tornar para o meu próprio coração
O que a escuridão da noite é para as estrelas.