domingo, 16 de março de 2014

Conversa com Margarida - Pedro Drumond




Conversa com Margarida - Pedro Drumond

Olá, Margarida! Que bela manhã de sol, não acha? Por que vim aqui? Ah, faz tanto tempo que não nos encontrávamos! Por acaso não está feliz em me ver? Sei que está feliz porque só posso te colher quando for para te regar de alegria, de vida! É disso mesmo que você se alimenta, não é mesmo, Margarida? Quem diria, diria você, Margarida, que no meu peito uma brisa de ternura e liberdade da solidão, me sombreia, como todo esse acervo rico com o qual você convive nesse ardoroso jardim? Pois bem, vou despetalar cada inocência sua junto às inúmeras intensões que se enlaçam na minha alma. Para começar, Margarida, pergunto-lhe: O que faço comigo, hein?

Eu estava distraído, Margarida. Eu estava andando assim, um pouco confiante, mas nada tão excitante; Eu vinha pelo seu encontro quando fui interrompido. Um olhar do outro lado da rua berrou o meu nome. Era um desconhecido. Os olhos falam em segredo aquilo que a alma torna explícito. Ele veio falar comigo, Margarida, você acredita? Ele não era o amor, ele não era amigo, ele não era dor, ele não era nem inimigo. Ele era espírito! Um espírito maravilhoso desses em forma de gente. Desses que deixam nosso coração doente. Doente de vida, vida que não finda, sutil aforia de tantos enganos - magia, Margarida, magia!

Conversamos, Margarida. Silenciamos muito também. Margarida, hoje eu vivi um amor sem sequer planejar! Tudo o mais próximo que de amor que pude alcançar, eu apenas havia sentido, jamais de fato vivido. E hoje - olha que estranho! - eu vivi um amor sem necessariamente o sentir. Hoje eu terminei sem penúrias, sem precisamente ter chegado ao fim. Acho que foi isso. Margarida, pela primeira vez eu vivi um amor! Um amor que em apenas algumas horas serviu-se de um tempo indistinto para aplacar toda a minha vida de ciganice. Um amor em horas que me fez pertencer a uma classe de seres humanos que sem saberem o por quê, comem capim, como se sentisse o sabor divino de um digno banquete dos deuses. Margarida, eu vivi um amor em horas que eu vou levar para toda a eternidade! Um amor de fim de tarde. Não importa se eu não passarei outras tardes como essa. Houve outro amor, esse mais trágico e perdido, que me ensinou a ser sozinho, lembra-se, Margarida? É... Mas não quero que você esqueça de uma coisa: Independente do resultado, toda vez que o amor atravessa os muros de um ser, jamais o deixa ser o mesmo de outrora. Antes eu sentia o amor pela ausência. Agora, incapaz de sentir amor, vivi-o sem delongas, a diferença foi sua presença! Que absurdo, Margarida, que delírio! Se a eternidade for um incomensurável buraco negro, tranquilize-se, não corro perigo. Estou salvo, Margarida, salvo! Eu toquei a alma de alguém que me deu amor, assim como seu amor orquestrou-se comigo.

Margarida, nós conversamos tanto, tanto, assim como eu sempre palestrei contigo. O mundo anda muito insosso, Margarida, você não acha? Ele despencou tempero em meus lábios. Nos beijamos. E falamos de coisas que somente os exilados do mundo dos sonhos seriam capazes de revelar. Confessei a ele até mesmo as minhas sombrias enfermidades. Você sabe, Margarida, doente de vida, não poderia eu esconder o quanto eu já estava anestesiado pela morte. Morte da esperança. Morte do encanto. Morte da vontade de amar. Morte da admiração pessoal. Morte. A vida dele me livrou do abismo.

Ele dizia que foi muito usado pelo mundo, pelos amores clandestinos, assim como eu. Criticávamos aqueles, que denegrindo nossas imagens, jamais poderiam se tornar dignos da sorte que possuíam de serem filhos da nossa natureza. Ah, se todos os que vivem realmente tivessem a natureza humana... Ele me deu a lua, Margarida, disso pode ter certeza. Nesse momento eu não sou um poeta - eu sou uma mentira que de verdade amou! Ele não queria perder a essência dele, tendo sido tão usado pelo mundo outrora, assim como eu também não queria, tendo sido eu quem usei o mundo aos meus caprichos. Nossa diferença é a de que pequei por deixá-la, a minha essência, correr pelo ralo, esvair pelos caminhos. Ele não, ele era superior: Mesmo se embolando nos infernos mais tiranos, tudo o que permanecia salvo era o seu espírito. Margarida, mais uma vez te pergunto: o que faço comigo?

Nós nos fundimos num abraço, Margarida, você sabe o que é isso? Não era necessário sabermos a nossa origem - o destino já era o nosso maior laço! Isso bastava, pelo menos naquele momento. O tempo é senão um aglomerado de momentos, a duração que o encerra não o torna inválido quando aquilo que nos percorre ainda move os nossos passos - pouco importa saber aonde vamos chegar.

Nos amamos, Margarida, em horas, e mesmo assim não optamos por nos possuir. Foi melhor assim. Isso porque aquele homem foi o único que me apareceu, permitindo-me acessar o seu interior; Se espanta, Margarida? Até eu estou estupefato! Bem sabe você que tudo o que eu fiz até hoje foi chegar até às margens alheias, porém jamais, num coração transbordante de águas essenciais, pude penetrar. Assim como ninguém fizera o mesmo comoigo. Danço de acordo com a música. Certo, dessa vez eu me afoguei, Margarida. E assim como eu, ele tinha muita sede de vida, de verdades, de privilegio! Nós fomos uma rara espécie de amor, Margarida, porque quem nos apresentou foi o silêncio, o sorriso, a emoção. Ao contrário do sexo.

Nós caminhávamos na rua, Margarida. Ele fazia questão de mostrar que juntos estávamos. Ele pegava nas minhas mãos, Margarida, ele beijava os meus lábios. O mundo era nossa platéia - nós eramos as estrelas de um teatro, embora o que promovíamos não se tratasse de ficação. Não exibíamos um "faz-de-conta". Um conto fazia de nós dois simples poemas declamados - no final éramos uma só mensagem. Acredita num absurdo desses, Margarida? É... Se eu houvesse previsto, também não teria acreditado. Assim como ninguém o reportou como um grande tesouro perdido, eu também não me senti menos do que um tesouro encontrado. Um homem, por algumas horas, lentas como o cair das areias do deserto, me fez acreditar que o amor de mim não havia desistido. Estava próximo a mim, sempre a me acompanhar, mesmo que despercebido. Ainda que a vida não fosse feita para a realidade minha junto àquele individuo, transcendi a minha história, Margarida, pois o amor, sem que eu houvesse lhe chamado, se pusera a envolver-se comigo.

Aquele homem era uma mulher assim como eu, Margarida, tenho que confessar. Éramos duas mulheres que se amavam, fazendo uma com o outra, tudo o que os homens jamais souberam nos dedicar. Era como se tivéssemos nos arriscando em concretizar tudo aquilo que até então nos era abstrato. Mulheres que se amavam como os homens que traziam no coração deveriam tê-las amado - intensa, despretensiosa e puramente! Depois nos amamos como homens - incompatível nos era a matéria de identidade, Margarida, uma vez que pelo entrosamento éramos o próprio conceito vivido. Depois não tínhamos mais gêneros. Nos amamos como os anjos, Margarida, isso mesmo - como os anjos! -, dos mais excelsos aos mais decaídos. Encontrávamos-nos acima do amor, acima do sexo; acima da vida e da morte, assim como acima do possível. Apenas nos amamos, Margarida, sob a lei do próprio impossível; Como os seres humanos que se entregam ao próximo, atirando-se do precipício; Esperando, por alguma vontade aleatória, na qual os passos, longos e desorientados que vamos dando na vida, deparam-se com o nosso outro espírito - o espírito do outro.

Bem-me-quer, mau-me-quer, agora eu lhe pergunto: O que é que eu faço contigo, hein, Margarida? Será que eu me apego à sua última pétala, como se essa fosse o final veredito? O que há de me responder? Como viver com amor, Margarida, se o amor, isento de minha pessoa, é tudo aquilo com que mais convivo? Bem-me-quer, mau-me-quer... Mas será, Margarida? Depois de lhe desnudar sobra-me o Sol, entretanto eu já ganhei a Lua! Sim, deu-me a Lua, como aliança inafiançável, este quem agora cito.

Pode deixar, Margarida, deixe comigo! Eu não volto mais ao seu jardim, pois agora eu encontrei um desabrigado da alma, ao qual passarei o meu coração como o seu verdejante abrigo. Se eu ficar sem prumos, não será o problema - o sentido da minha vida é não ter um sentido, do contrário o que de interessante eu poderia desfrutar?

Margarina, você está dormindo? Está divagando em quê, Margarida, em quê?!
Bem-me-quer, mau-me-quer. Além disso tudo, apenas me quero comigo!

(Pedro Drumond)

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