sexta-feira, 31 de maio de 2013

O Jovem & A Tumba



O Jovem & A Tumba

Emociona-te, oh, jovem, já que gozas das auroras da vida. Saias da tua luxúria, da tua liberdade, desfaça-te da tua ingovernável energia. Acalma-te, faça isso por breves momentos, não se preocupe! Só te peço que entres na tumba, imaginando que essa é a tua futura moradia, a qual pretendeu te instalar, à longa espera, já esquecida, num corredor obscuro, a questionar pela próxima alma que será descartada pelo mundo. Serás tu o próximo da fila? Entrai na tumba, oh, jovem, enquanto te banhas da impressão de que os dias são teus aliados. Enquanto vives envolvido pelos beijos caprichosos dos raios de sol, livre e gratuitamente, sem cogitar, porém, que nada lhe será cobrado, mas a cobrança sempre bate à porta, e o faz sabendo justamente que se dirige ao homem, que para começo de conversa, nada tem.

Aproveite aquela brecha logo ali, que serve de escape para ousadias, e constate por si mesmo o que se passa no inverno, enquanto ele ainda não anunciou sua anarquia, como ele ensaia antes de entrar em cena e o que ele trama enquanto não é lembrado pelas nossas almas frias, sempre fingidas de esquecidas do quanto se tornam lesmas, corroídas por suas lágrimas secas. Aproveite esse ensejo, enquanto já pensas que tem muito a perder, e ainda que por praga tu ganhes algo nesta causa perdida, dai-te conta do espaço sequestrante que a vida capiscou, para também não permanecer enferma ao carecer de ti.

Entrando na tumba, avançando as estações, saltando o labirinto e seguindo adiante rumo ao portão, que segreda o reino do desconhecido, procures ter mais noção da essência final ao contrário daquela que te guia hoje no teu sarcástico começo. Essa dissonância temporária pode lhe garantir muitos privilégios no que diz respeito a tua percepção da vida. Mas percepção, para qual das neblinas?

Pensas que estás no controle? Sorrio. Pensas que algo te governa? Escarneço. Pensas que pensas? É melhor eu me calar. Aliás, eu já estava mesmo de saída. Mas antes de ir, enfatizo - aproveite e morras enquanto tens a ilusão de que ainda existes. Morras e fiques para contar a ti mesmo uma história sobre quem realmente sois, pensando que o sejas. Agora e antes de tudo, nunca no depois do depois. Tu és um mensageiro, mas o que tens de mais importante a dizer é para ti mesmo. Esqueça-te de ecoar-se aos ouvidos alheios. Em seguida, partindo do que que tu saberás, oh jovem, nada nem ninguém já foste, todos os outros foram os mesmos que ti, e tu não foges à comparação com os que virão doravante. Seres humanos são apenas probabilidades, sem coesões. Tudo o que foram, tudo o que são, tudo o que serão - não passa de mapas rebelados de direções, garantido de percursos, mesmo aos pigarros e soluços. Crianças que pela luz da pureza não são mais ou menos monstruosas que as outras.

Saibas, oh jovem, o tempo apenas te rabiscou nas suas folhas de outono por puro tédio, aconselho-te, portanto, que agora saias desta tumba concreta e jazas intensamente nas pedras não esculpidas, nas obras artísticas, por exemplo, que elevam a vida cotiana do humano à utopia extraordinária do ser.

Pedro Drumond

quinta-feira, 30 de maio de 2013

Cuspes da Ironia (Pedro Drumond)



Cuspes da Ironia
(Pedro Drumond)

Vivendo no âmago da existência
Sem ter o que pensar
Lembrando, porém que na juventude
Minha essência era profunda, antiga, sábia
Sua qualidade era toda baseada
Nas idas que desbravou sem caminhar
E veja só, na juventude, ainda por cima...

A inocência deveria ter-me sido dada
Em grandes doses de anestesia
Que promovem o corrosivo sentir da atmosfera
Como se essa fosse revertida de brasas, fuligens
Remendos, clipes, grampos
E sangramentos ainda não estancados

Sigo, náuseas
Exprimo, causas
Redimido, farsas
Esquecido, pragas

Dentro de instantes tudo pode se esvair, sabemos bem disso
O tempo é a fôrma do pensamento sem fim, sem conclusão
Que discute, omite, refaz
Inventa, desmente, confirma
E depois... ah, depois não quer saber mais, deixa pra lá...
Assim sendo o que eu posso pensar do tempo?
Seu fado é permanecer queimado, frio ou cru
Já que prefere englobar a diversidade das mentes
As várias estórias de caras contra-batidas ao muro
Como um réprobo fugitivo em companhia da verdade
Delinquentes, sim, amantes, com certeza, bando de marginais...
E essa dupla sempre foi muito franca, não negando sua índole
Posto que nos deixam pistas bem claras
Da total indiferença e ausência de intensões
Em aliar-se, comungar-se, com qualquer um de nós

Ao redor de nós há um esplendor de natureza
Dentro já há o impulso de sermos autores
Engasgados de nossas certezas
Sempre tão concretas, compactas
Trépidas e quebradiças

Pois é sendo abraçados pelos cenários distintos, tempos longínquos
Que nós, personagens inquilinos, sem ter mais o que fazer
Pretendemos todos nos divertir descobrindo o que é a vida
Não nos damos conta, entretanto, que neste jogo, neste espetáculo
A chuva que decai não passa de cuspes da ironia
Que simplesmente berrou a nossa condição reduzida
De sermos simples homens - é mole ou quer mais?

Instintos, complexos
Vazios, sozinhos,
Amigos, inimigos
Estranhos, conhecidos
Pa-ra-lí-ti-cos!

Por final só posso dizer que a impressão de que nossas almas
Sejam porventura secretas ou especiais, fica contrariada
Ainda que o seja, quem liga pra isso?
Vede o quanto se guerreia, se ofende, se aniquila
Como se uma pequena sombra não se apagasse
Quando inserida em toda uma penumbra
Que desbanca sem esforço os que seguem bússolas
A caminho da persistência e da fibra

Eis o teto que se abre - A vida não é uma questão de necessidade
Justificando sua razão de se dar
O importante é, até quanto se absorve sua intensidade
Que alimenta, mas não mata fome
Que sussurra, mas não sabe-se de onde
Que invade a todos, mas finge que conosco
Brinca de pique-esconde.

domingo, 26 de maio de 2013

Um Viajante de Almas




Um Viajante de Almas

Recentemente passei a ter impressão de que estamos aqui para sentir o insensível, pensar o impensável, fazer o infazível, ser o não-ser. Mas nessa rede, nesse emaranhado de teias, nessa vulnerabilidade genuína, qual raio que por ventura já não me atingiu, que outrossim não poderá atingir os outros? Máxima de empatia e antipatia (e uma máxima quase insana!) - Não há sentido cabível àquilo que não se compara, apesar de permanecer em constante competição consigo mesmo. Os que são e os que não são. E aqueles que como eu protagonizam a questão.

Caso eu quisesse me deparar com respostas ao que me refiro, certamente faria menção prévia ao silêncio, encontrado como andarilho nos destinos deste tipo. Isso me faria ultrapassar a minha simples condição de humano, tornando-me a partir de então um criador de vidas, um viajante de almas. Vidas essas que existiriam através e além de mim. Almas que seriam meu abrigo, meu repouso, meu laboratório. Almas que não vieram à vida, mas o fariam me usando como via, enquanto eu, que não conhecendo o sabor da inexistência, trocaria de lugar com elas por um breve instante, só para gozar da sensação de me ver liberto de tudo e de todos.

Somente visando um estado que me levasse a alcançar um certo grau distinto de vida, eu poderia malear esse tipo de contato nobre e puro -  readaptando-me constantemente ao meu discreto testemunho ocular. Para ser um viajante de almas minha estrada são os palcos, os palcos da vida.

Se eu quisesse realmente o tal "grã viver", que eu me entregasse ao roteiro, que eu transmitisse os fatos, que eu vivesse o que não é meu, o que não sou eu. Eu teria apenas que esperar o próximo espectro revelar-se em sua forma, para ascender-se através do crivo da minha razão, me dando em troca o conhecimento do que seria  uma vida pusilânime, através do seu coração de sombras ou de luzes. Sair das masmorras sem nem ao menos atravessar as grades, é fundir na pior prisão - você mesmo.

Contudo o vazio que sou e ao qual pertenço, não poderia jamais perder o seu trono de sobressaltos e imperiosidade. Por mais cheio que seja, o frasco que permanece conosco está além da sua qualidade cotidiana e aquém de sua utilidade final. E nós somos frascos da vida. Logo, é de se convir que não é o abismo que existe, somente a queda. O abismo não existe e por isso ele é eterno, sempre disponível aos encontros do nosso ser - sendo fortuitos ou não.

Hoje em dia eu e o amor somos os únicos habitantes do mundo. O amor, que não é próprio de ninguém e eu, que também não sou próprio da vida, vez ou outra acabamos nos encontrando nas avenidas de uma dimensão não povoada. Quando nos encaramos, esboçamos a mesma reação de espanto quando alguém acaba de despertar e não se reconhece no espelho.

Mas esse processo passa muito rapidamente, pois recuperamos a lembrança da nossa vil condição - O amor é esse deserto, essa moldura de um quadro cuja pintura impressiona tanto os meus olhos, por conter nada mais que o seu vazio, sob diferentes tons e texturas. Já eu, algo pré-humano, cansado, inconcebível e prestes a nunca ser compreendido enquanto "ser", no silêncio condutor que absorve minha declaração, suponho que estivemos, o amor, eu e o todo o resto, durante essa palestra o tempo todo mortos.

Sim, mortos...

(Minha alma enquanto pintava sem cor e vós enquanto eram uma cor em busca de uma pintura; Eu, enquanto falava, vós enquanto ouviam; Eu que escrevia, e vós que ainda reliam; Eu que vivi e vós que na verdade eram quem existiam; Eu que não amei, somente para ter gabarito de falar do amor e o vosso coração, mais sujo do que o meu, exatamente sendo o abismo que eu estaria prestes a decair). Enfim... viver não passa de estar em silêncio, um silêncio que ontem indagou e por isso amanhã certamente entenderá. Mas hoje? Ah, hoje, por enquanto, esse silêncio só machuca.

Pedro Drumond

Caminhos sem Voltas




CAMINHOS SEM VOLTAS

Eu pensava que o amor - pouco importando se sendo um personagem ou um estado de consciência - seria uma poética, mas não menos utópica e infeliz criação do homem, que numa reação súbita dessas de inspiração ou esquizofrenia, acabou por fundi-lo com sua tosca assinatura. Tudo isso resultado do homem na sua desesperada tentativa de ser um pouco mais além. Além? Ah, de um dia ser, de fato, humano!

Se é que um fator dessa natureza, dessa sensibilidade fugaz - primeiro "o ser", depois "o humano", em seguida os dois, "ser humano" ou até "ser-e-humano" - se é que algo dessa magnitude fosse um dia possível de se promover em absoluto. Mas se o homem é perdoável pela sua maldade, por quê não pela sua inocência?

Passou-se o tempo e naquele período em que minhas raízes começavam a surgir sem base própria, a fim de suportarem brevemente o peso oriundo de minh'alma (que sem saber que dormia, deu-se um dia por desperta, banhando-se todo fim de noite num plácido lago anil de disfarces, dos mesmos disfarces utilizados pelo amor, na simplicidade das ambições humanas ou nas complexidades do significado velado de seu espírito), acostumei-me somente (e olhe lá!) a dar-me por satisfeito por via do silencio. Logo percebi que ao invés dos segredos da vida, eu possuía o dom de traduzir a linguagem da tristeza - Que era, por sua vez, tão confusa aos entendimentos humanos, mas inexplicavelmente um puro aconchego para mim! Que era uma tirana para com as pessoas, mas me dedicava um carisma especial. Sendo musicalmente agradável aos meus sentidos, tão sequiosos de experiências empíricas, quanto (e só então por último) transcendentes.

Eu sabia justamente quão clara era a luz do sol, como também quão obscuro era o oceano dos céus, mas diferente das pessoas livres, eu nunca havia saído de casa, tampouco analisado as paisagens que o mundo infinitamente se reprogramava para inventar à elas. Muito pelo contrário, meus olhos cegos não enxergavam sequer o invisível! Mas viam tudo como num "filme lúdico", onde o transcorrer da existência é imóvel, reproduzido repetidamente nas nas janelas da minha liberdade - que permanecem sempre fechadas.

Assim sendo, tenho convivido há tanto tempo comigo mesmo, que resolvi, como de esperado, em mudar-me para um outro mundo - que fosse mais inóspito e irreal - do que aquele que abrigava minhas fugas. Sendo tão volúvel quanto coerente, nem cheguei a deixar um aviso preventivo para minha própria pessoa dessa decisão, pois aguardava sua reação aos dias vindouros de estranhamento.

Antes só isso o fosse, mas acabei encontrando no meu trajeto uma nova dimensão, atemporal, e desde então passando a conviver demasiadamente com a presença do amor, que ali habitava, e finalmente me dei conta de que estando ali, no seu local de refúgio, acabava de encontrar a causa que justificava a sua ausência ou aparente distancia nas nossas vidas - o amor também vive de caminhos sem voltas.

Quando o flagrei ali, no seu sono reparador, percebi que ele me possuia o semblante de uma criança - doce, quando parte inocente para sonhar suas fantasias e angustiado, quando está prestes a retornar à sua realidade (ainda por cima tendo de vivê-la).

Entre o amor e as pessoas não existem muitas diferenças. Ele, assim como nós, também sente perdido. Por isso se esconde.

Pedro Drumond

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Nas Ante-Salas do Universo




Nas Ante-Salas do Universo

O único momento em que eu deixo de existir, reflete o estado de maior pureza e felicidade plena que poderia colidir com a minha vida. Essa inexistência, esse silenciar, essa inação é perceptível somente quando deixo de mover essa minha carcaça existencial e passo a ser conduzido, muitas das vezes de forma inconsciente, pela vida, que sussurra aos meus ouvidos segredos seus, confiando-os a mim, ainda que saiba que eu, por minha vez, não faço o contrário, no entanto ela se contenta contenta, pois está certa de que não possuo a capacidade inata de traduzi-los ou de saber para quê servem. Então para a vida não nunca represento uma ameaça.

Desde a juventude percebo que ao contrário do que se orquestra na vida das demais pessoas, eu sou extraordinariamente produzido pelo nada! Não nasci com sonhos, aspirações ou desejos. Nunca almejei chegar a lugar nenhum. Não me convinha saber se outrora já pertenci a alguma dimensão onírica, platônica, ou se eu era apenas a propriedade da revelia de uma projeção muda e soberba, que poderia quiça um dia causar alguma impressão digna de nota.

Certa feita, eu me encontrava deslocando, num dia de chuva, à chegada de uma sala, modelada à escombros intrigantes e pessoas estrangeiras, para ocupar algum lugar que já me estava reservado, independente da minha opinião ou a falta dela - a vacuidade é a grande contingência do habitual viver; digo, do habitual viver de um eremita nas ante-salas do universo.

No entanto, desta vez em que eu me protegia da estória, com o rosto à vidraça, observando os figurantes de um itinerário desconexo enquanto as gotas da chuva embaraçavam meu campo de inconsciência, com suas piadas mudas e gestos infantis, acabei por me surpreender com o que eu chamaria de insignia do acaso, que mesmo sendo humana, divergia de toda espécie em si, por justificar-me num olhar que parecia-me familiar, seguido de um comprimento que soava-me mais íntimo do que os passos que estreiam uma jornada rumo ao desconhecido. Toda sorte de sentimento que me veio a posteriori tinha um quê de divino que ninguém jamais havia consumido antes - nem mesmo nos contos de fada!

Mas caso o tivessem feito e me ensinado a romantizar este elance que cito, na medida em que o desgosto e o desamor alastrassem-se pelo meu ser no que dependesse do restar dos meus dias, talvez eu não houvesse experimentado, justo ali e muito antes do que esperava, o vil e pueril sabor da morte, que por eternos segundos esteve ao meu dispor.

Pedro Drumond

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Um Amor Inventado, Um Corpo Sem Alma







Um Amor Inventado, Um Corpo Sem Alma

Intrinsecamente em cada sílaba, amiúde em entrelinhas, coleciono as incógnitas do mundo em cada palavra. Mas não o faço vulgarmente, de modo que, se não houver conteúdo, experiência, cálice de sangue derramado de minhas feridas, dificilmente alguém compreenderá algum saber desvelado no diálogo entre um amor inventado e um corpo sem alma. Ambos estão alojados no interior de toda caverna humana que acabamos nos tornando.

Procuremos, portanto, saber em que lugar, desse páramo chamado vida, nossa verdade pretende descortinar-se, pois essa é uma escolha que, uma vez feita, impede qualquer retrocedência. Nunca se é o mesmo depois que se ama uma vez.

***

O meu amor é uma procura, é uma insatisfação, não encontra-se em nada que me satisfaça, que me nutra. Ele está na ausência, na fome, na inanição. Ele não existe. Ele é nada porque eu também sou um nada. De fato, não sou desse mundo e esse mundo não é meu, nem nada que esteja inserido nele. Sou um corpo sem alma.

Um corpo sem espinha etérea, um ser vazio, um palácio sem realezas e nesse vazio, penso que posso abandonar minha alma sem teto. Sou um amor inventado.

Uma alma errante, cigana, dispersa, sem lar, procurando um lugar inóspito para me resvalar de toda essa vida itinerante sem nexo. O amor inventado que me deu luz à vida e minha alma sem corpo, exilada de todo o universo, querem um abrigo, mas não uma prisão, por isso o procuram, por pior que seja, isso ainda é liberdade.

***

Acontece que não sei se acredito nesse meu desvario ou nos desvarios daqueles que não amam ou o temem simplesmente, hesitando em diluírem-se em águas profundas, choques, colisões ou pequenos desmaios, quedas que, por ventura, nos elevaria de alguma forma.

Como posso então acreditar naqueles que esquecem de tornarem suas vidas uma estória, um fenômeno gladiador, onde seus épicos sentimentos se tornam absurdos para todos as pequenos e grandes resultados, como acreditar?

Como conviver com os que confortam-se no lugar em que esbravejam leis e ignorâncias,  protegidos em bolhas, enquanto que todos os amantes da verdade permutam a matéria, silenciados pelas suas inocências; inocências sem qualquer propósito, mas que fazem todo sentido para a essência que deseja-se criar,  como conviver?

Como posso acreditar em mim? Naquilo que invento?
Como conviver comigo, que nem me sinto por dento?
Invente-se um amor para um corpo sem alma, e já!

Não passamos de vultos, de miragens da vida, sombras da rua, é verdade.  Cicatrizemos, portanto, cada ferida que colecionamos de outros tempos e unimo-as em um única marca que seja. Veremos, a partir de então, que elas não são tão grandes e profundas quanto aparentam. Que a vida não é tão incomensurável como acreditamos. E que igualmente não somos tão findos quanto gostaríamos de ser.

Pedro Drumond & Cibele Oliveira

domingo, 5 de maio de 2013

Devassidão, Desejo-te!




Devassidão, Desejo-te!

Vamos amar das nuvens nossos homens do asfalto, vamos amá-los em chuva, vamos amá-los em tempestade, raios e trovões, mas não vamos amar esses homens em juras, em carne, em coração, vamos amá-los simplesmente em elementos.

Não existem abismos nas nuvens. A queda de lá de cima, é a queda dos anjos....

Ando devassante, mas numa devassidão tão cheia de concupiscência de nudeza, sabe? Me refiro aquela nudeza que não é a da pele, é a nudeza da alma, eu estou com tesão pela nudeza da alma, quero despir esses homem até a alma, tocar no falo de seu imo, quero fazer com eles o que nenhuma fêmea já fez, quero uma felação espiritual, intelectual, romântica, musical, religiosa, quero mais do que o trivial sexo, a mesmice do tesão que chega num platô e dorme. Não, o que quero é um platô sagrado, orgasmos eternos de música, literatura, pintura, quero corromper o normal, e tornar o anormal sagrado, este é o tesão amoroso de seres como nós, abortados da realidade, incompreendidos na racionalidade, talhados de silêncios e desejos inefáveis. Nosso tesão quer muito mais que boas trepadas, queremos êxtase de alucinógenos inteligentes, queremos devorar corações caros com vinhos vagabundos, queremos sonhos recheados de literatura, música e paixão, como a paixão de Marias Madalenas por Jesus, a paixão de putas que se tornaram santas.


Caminhamos por ai e podemos ser abordados a qualquer instante pelas nossas ensurdecedoras clamações ao direito de transcender nossa própria vida. Isso requer sempre uma entrega onde a dor é vista como uma fibra até quando o prazer pode ser inocente em nossas açoitas paixões, em nossas divagações e em toda sorte dos juízos que nos aprouver. Assim nossas almas descobrem o sentido motriz de suas existências - O amor visceral, explosivo, devasso, o amor constrangedor dos anjos pecadores pelos humanos divinos.

Pedro Drumond & Cibele Oliveira

Penhasco - Progredir ou Regredir?





Penhasco - Progredir ou Regredir?

O amor é tudo que temos, mas, ainda assim, nós nos sentimos pobres, pobres porque precisamos do outro para acalentá-lo, para niná-lo, precisamos de um homem e uma lareira, para que o amor se aqueça, mas esse homem é frio e a lareira está apagada, por isso estamos com frio, mas ainda temos o amor, que é nosso, e não deles.

Nosso. Eles são de longe o amor em absoluto. São a ponte que apenas nos ligam ao amor, mas uma vez que se percam os elos dessa ponte, o contato primordial já foi estabelecido outrora e portanto não se perde. Ao olhar os olhos do ser amado, que com todo o seu jeito se mostra intocável e impoluto ao nosso coração, é para uma regressão interna que nós somos obrigatoriamente levados a passar.

 A vida é um penhasco, elevado a alguns metros acima de um abismo descomunal. Velejar nossos amores do outro lado do horizonte pode ocasionar-nos duas direções a seguir: Ou ir adiante ou regressar. Os amores progressistas nos levarão a decairmos no abismo da vida, que está logo ali, sorrateiro que só vendo! Já os amores regressistas nos fazem totalmente violentados à sermos puxados para um poço de águas profundas e dimensões intermináveis - Os vale onde nossas almas caem e não conseguem se reerguer, a não ser que pisem em si mesmas. Esse vale não é nada mais que o nosso próprio coração.

Pedro Drumond & Cibele Oliveira

Estranhamente Poetas


Estranhamente Poetas

Nós somos um acidente, um erro da natureza, um impulso trágico e medonho. Permeamos nesta fronteira, estamos vivos, emaranhados na vida e ao mesmo tempo tão distante dela. Somos rastros de astros que um dia existiram e chocaram-se com outros que estavam em sua órbita, somos restos de elementos que agora não mais existem, vivemos num vácuo entre sonhar e estar acordado. Não podemos existir aqui, mas vivemos aqui, então o que fazer? O que fazer se o que respiramos na atmosfera nos é venenoso, como a rarefação de nosso desejos? Estamos asfixiados de realidade, inundados de cotidianos, quando somos tão ímpares no sentir. Nada nunca irá lenir nosso silêncio, e aqueles que nos curam, também podem nos matar. E matam. Por isso, nos entregamos, porque queremos mesmo é morrer, queremos uma morte lenta como os beijos deletérios. Quem somos nós? Ah, chamam-nos estranhamente de poetas!

Pedro Drumond & Cibele Oliveira




Verdades Torturantes


Verdades Torturantes

O amor expôs-se em demasia para mim. Sem armas, sem máscaras, e não planejando chegar a lugar nenhum. Mesmo assim levou-me a muitos outros portos da vida, sendo estes desconhecidos e inabitáveis, camadas de minh'alma que eu precisava aprofundar-me, afim de inventar a mim mesmo, ao invés de ser mais um rascunho ao meio de tantas outras criações universais. Mas em relação ao amor, não há nada que lhe passe direto ou desapercebido. Tudo é mastigado por ele.

O amor é só mais um navio que me despeja no meu destino, mas não fica à mercê da minha companhia. Não, ele dá partida em busca de outros novos viajantes para sequestrar. Até um tempo atrás eu era uma alma tangível, viva, transbordante, hoje eu sou apenas mais uma.

Nos desertos que caminhamos, muitas vezes nossos monstros internos são nossos únicos aliados. Não nos deparamos, como era de se esperar, com anjos alados e a inocência dos sonhos juvenis. Eu caminhei pelo meu deserto outrora, e vi o sol num céu de penumbras, qual o nosso amor, diamante reluzente, meio ao lamaçal. No entanto, enxergando tudo nessas condições, percebo com mais fidelidade e clareza, que nenhuma esperança poderia me confortar plenamente.

Não nasci para as mesmas vivências dos habitantes do mundo lá de fora, com seus castelos e ruínas  Seja lá quais forem, meus ganhos e percas são absolutamente desconhecidos dessa parcela. E essa percepção, de uma certa forma, é semelhante a de muitas outras pessoas por aí. Para o mundo, podemos nunca ter saído do nosso lugar, mesmo que sintamos o quão além nos desdobramos até nos deparar com as verdades torturantes que nenhum outro mortal saberia como nós velejar.

Não sou mortal, tampouco imortal. Muito pelo contrário - sou desastrosamente vivo!

Pedro Drumond