sábado, 21 de dezembro de 2013

Estuprar & Consternar (Pedro Drumond)





Estuprar & Consternar
(Pedro Drumond)

Por que de todos os absurdos que existem, eu escolhi sonhar justo com o maravilhoso e o impreciso? Corro atrás da sorte mesmo sabendo do pavor que ela tem dos seres humanos, por já ter sido totalmente estuprada e consternada por eles em sua pureza. Sinto em mim a mais realista e consistente consciência dos fatos. A sola do meu espírito melhor do que ninguém sabe o que é manter os pés no chão. Apenas se mostra inútil para me fazer caminhar e prosseguir com a vida. Ou eu estou estagnado ou os saltos que calço me elevam do chão árido e tosco do itinerário humano, a ponto de me deslumbrarem com os demais eixos. Dessa forma, minhas alucinações se engrandecem tão descomunalmente que talvez eu leve outra vida até que venha estancar a cara no chão. |

Agora surge a provocação --- por que permito isso? Simplesmente porque é muito fácil apagar as luzes, fechar as cortinas, cortar pelas raízes os bens e os males. Difícil, no caso, não é que hajam dificuldades, mas sim que se acumulem imprecisões. Suplício é deixar de beber de uma fonte que te aumenta mais a sede do que a sacia. A isso deram o nome de vício. Para mim é apenas uma brincadeira sem malícias. Tenho dormido horas a fio. De nada serve o que me traduz o universo onírico. Acordar será sempre um susto e um encanto para mim - Ainda estou vivo?! - constato silenciosamente. Não tenho ansiedade pela morte. O que falta para o ser humano é um assunto novo, um alívio novo, uma angústia nova. Tudo ainda é o mesmo. Salvo está aquele que ainda não fez dos fermentos da sua vida uma regra literal e arraigada. Ainda estamos debruçados sobre temas de pauta, cuja as questões são milenares, enquanto o tempo continua como sempre a discorrer a sua soberania com tanta indiferença quanto acolhimento, nutrido por nós. O tempo é perigoso porque é um figurante dos palcos, e o verdadeiro assassino e herói das tramas nunca é o personagem principal, como se espera. Quem roubou a minha sanidade, alguém suspeita?

Talvez a imensa população de homens é uma produção desenfreada da existência, que num surto infantil, se põe a esperar que algum de nós em algum momento vá servir de seu amante. Muitos de nós não conseguimos ser nada mais que comboios para ela. Agora o que acho muito curioso é ler a biografia de uma pessoa. Não importa se apreciada ou não, conhecida ou não, útil ou não ao grande público. Existe uma magia ali quando nos pomos a entrar em contato com o enredo da estória de vida até a morte de alguém. Isso porque o material disponível já se encontra concluído e impassível de readaptações, pois quando um ser humano se torna personagem, parece que em cada um de seus atos possuem um sentido e precisão, trabalhado por trás da sua trajetória, servindo como obra de arte. A morte nos torna míticos, mesmo tendo-nos sido testemunhados pública ou anonimamente. Seria um equívoco atribuir a Deus esse crédito assim como a qualquer outra força incontingente. Vá, componha canções a Deus sendo um ateu ou tenha a audácia de afrontar deuses e reis quiça sendo celestial, vá, quero ver!

A vida é mentira mais verdadeira que existe. Mesmo tendo ciência dos fatos, jamais nossos significados e silogismos servirão para nos dar a segurança do conhecimento. Os que voltam da busca do amor e da felicidade, após a jornada aventureira, já não se encontram mais nem jubilosos nem aflitos. Repare seus semblantes. Veja como perderam os sentidos. E nós seremos os próximos da fila. Eles que voltam sabem que ir atrás do destino, muitas vezes, é terminar sem um lar interior, mas guardam esse segredo, preservam a premissa, pois nenhum de nós aceitaria algo que fosse diferente da dor que desde tempos imemoriais nos persegue - uma vez que nem a estupramos, tampouco a consternamos.

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