domingo, 1 de dezembro de 2013

A Fome do Espírito (Pedro Drumond)




A Fome do Espírito
(Pedro Drumond)

Talvez a vida seja uma donzela, romântica e pacata
Que se põe a correr desesperadamente atrás
De quem foge dela, de quem não possui alma o suficiente
Para penetrar-se na sua codificação

Quantos querendo viver, morrendo!
Quando morrendo, querendo viver!
Quantos, por exemplo, que sonham com uma "família padrão"
E pais, mães, maridos ou esposas, não conseguem ser
Enquanto que outros, totalmente desproporcionais a esses papéis
São levados a assumi-los, de forma precária e duvidosa

Levaria milênios se eu me debruçasse a falar
Sobre as incongruências da vida
E o quanto suas verdadeiras intensões e princípios
Estão longe de serem coerentes
Em vista de que são gerados e nutridos
Pelos paradoxos, pelos antagonismos

A vida para pessoas como eu
Faz de propósito desnudar-se diante das nossas percepções
Revelando todas as curvas e marcas
Da sua razão de ser, acompanhada da sua obscuridade
Só com o intuito de possuir o mórbido prazer
De contradizer nossas denúncias
Já que para o restante da parcela
Digo, os ingênuos, os desavisados, os que serão salvos
Ela se mascara, se camufla, usa dos seus dotes, truques e manejos
Para ocultar a sua legítima verdade

Estou farto de ser condicionado
Pela lei do imprevisível e aparentemente imutável
Farto, sim, de errar o alvo
E talvez sair magoando e atingindo as pessoas que amo
E sendo ao mesmo tempo, escorregado,
Espezinhando e perdendo para aqueles que mais desprezo
Estou farto, paredes que me escutam, de muitas vezes
Sair recitando o amor, a esperança, a luz
Esclarecendo o sentido por trás das peças que a vida prega
Para os mais desesperados e desconsolados que eu
E no fim da noite, hipocritamente,
Dormir com inenarráveis angústias e descrenças, peito a dentro,
Sem ter quem me faça iludido, acalmado

Estou farto porque tudo pode continuar acontecer
E a minha irrelevância se torna nítida
Diante da indiferente postura da vida
Sentir ou não sentir, ganhar ou perder
Ser ou não ser, desventurar horizontes
Ou enraizar-se em solos radioativos e infernais
Que importância tem tudo isso?
O fato é que a grande miséria do homem
Não vem dos seus limites ou dificuldades
Essa, oriunda-se, sim, da sua fome
Da fome de espírito
Que a essa altura do campeonato
Já não mais se abstém dos sonhos, glórias ou prodígios

A fome do espírito aumenta a cada dia mais
Quanto mais a vida perde ou reluta-se em esclarecer
O seu verdadeiro sentindo
Façamos uma ode a contradição da natureza finita do homem
Que anda de mãos dadas com a infinita expansividade do seu espírito!

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