sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Velha Angústia (Pedro Drumond)







Velha Angústia
(Pedro Drumond)

Se tu souberes o que é o amor
Deveras não hás de querer mais amar
Queira, portanto, frágil criança, viver recolhida nesta inocência
Queira ser um eterno buscador insatisfeito
Sem sequer chegar a lugar algum
Assim não hás de ter por suprimidas as carências
Nem hás, por equívoco, de sanar a dor
A vida há de ser uma longa viajem
O melhor é que não se tenha compromissos
Não pertencer ao mundo te dará mais propriedade de si
Que encontrar um certo destino

Nesta noite bucólica, aquela velha angústia,
Antiga conhecida minha, viera me visitar
Atende por angustia esse pleonasmo
Onde eu sempre fora tua, sem jamais lhe pertencer
Nesta noite, minha alma, tinhosa que só,
Recusa-se em me oferecer até o consolo do pranto escorrido
Tortura é sofrer esses nódulos sem mais ter o que chorar
E esse olhar vago, que tanto lhe causa estranheza,
É culpa desse meu constante pedido de socorro, silencioso
Em quais diabos foram minhas lágrimas parar?

Sou uma fonte seca
Um útero estéril
Sou um jardim sem flor
Sou um passado que jamais permite-se ir adiante
Sou uma donzela, que por imposição da vida falha,
Tivera que finger ares de dama-da-noite
Para ao menos gabar-se de que sentiu algo
Advindo de afagos rebeldes
Uma dama-da-noite, uma perdida,
Revertida a toda sorte de desejos, lascividades e prazeres
Sem contudo escapar ao seu anseio trovador
Era tudo, tudo o que pode-se imaginar
Era tudo, vindo de ninguém
Era tudo, tudo.. menos amor

Angústia, eis o meu nome!

Desventuras Insanáveis (Pedro Drumond)







Desventuras Insanáveis
(Pedro Drumond)

Até quando a negritude
Que banha as madrugadas
Encharcará minha alma de tal forma
Que essa não poderá valer-se senão
De uma saudade marcada,
Uma vida amargurada,
Uma profundidade que não cabe mais em si?

Até quando os amores declarados
Serão destinados aos analfabetos das entrelinhas?
"Do: Amor
Para: O Fim"

Até quando bordarei-me
Pelo crivo das perguntas angustiadas,
Inúteis que são em calar
O grito das desventuras insanáveis?
Essas nem chegam a serem boas o bastante
Para adquirirem mais astúcia
Em comparação às promessas
Feitas a mim pelas ninfas das ilusões
Quanto desperdício de tempo...

"Até quando(?)" na verdade se trata
De uma morfina que quero injetar-me a todo custo
O fim de uma vida começa com um princípio de amor
Portanto condicionar outras escolhas
Que dizem respeito à individualidade daquele,
Convicto de que ama, em função do que ditam ser
A natureza do amor, é tomar água por lama
É tomar um conjunto de ausências como se fossem reais
Sendo que na verdade, caro companheiro,
Não lamento em dizer - Nada existe!

O Canto das Ondas (Pedro Drumond)






O Canto das Ondas
(Pedro Drumond)

Vejo-me em idade avançada
Já tendo nascido e morrido incontáveis vezes
Nessa altura da jornada
Já não resta mais um eu
Nem alma, nem mais nada
Estou a beira-mar sentado numa rocha
Deixando fluir todo o lamento do companheiro de leros, o violino
De forma pura, irrepetível, improvisada
Alternando os atos entre uma passagem e outra
Uno o meu pranto com os murmúrios do mar
Choro copiosamente dada hora, sinto-me aos poucos esvaindo
Segue-se mais uma sonata do violino,
Cujas cordas são enfeitiçadas - celas de espíritos aprisionados,
Purgatório, vísceras e náilons de intestino
O ranger do instrumento compara-se
Ao silêncio perturbador da própria vida
É helênico, é divino...
Logo me calo, alguém chama-me pelo nome
De forma íntima e peculiar
Como só um alguém um dia pôde me chamar

Viro-me vagarosamente e em instantes petrifico-me!
No fundo segue o canto das ondas
Nas extremidades da nossa ilha
Oh, céus, é ele! O meu amor, o meu destino...
Nossos olhares estão marejados, qual oceano bravio
Finalmente podemos nos amar... Mas... Mas...
Mas isso só vem ocorrer agora
Nos extremos da velhice - sorte ou azar? -
Nos afogamos há tempos na vida,
Que só acontece uma vez, na duração dos segundos
O resto é pura fadiga que se suporta
Até que o futuro se finde
Vou me jogar no mar, não há mais nada que me vingue
E no mais remoto abismo do mar
Me afogo sufocado por um amor profundo
Pelo qual as ondas uma ópera hão de cantar!

Papeis Incondizentes (Pedro Drumond)






Papeis Incondizentes
(Pedro Drumond)

Nasci chorando, vivi amando
E morrerei sozinho, num rompante brusco, rapidamente...
Ser triste, contudo, está muito longe de ser um verídico infeliz
Assim como a euforia, a alegria, passa distante
Do verdadeiro estado do ser jubiloso
As almas tidas por felizes
Que a todos contagiam com sua energia vibrante
Em segredo são mais sofridas, desfiadas,
Cicatrizadas, portadoras de cacos
A vida é uma ópera
A vida é um fado

A vida, essa mesma da qual vos falo,
Muitas vezes educa nossas almas
Para que assumam papeis incondizentes com nossas verdades
A vida instrui nossas almas, deseducando-as
Nada está como a ilusão nos faz crer no controle
Teremos, mais hora ou menos hora,
De assumir tanto o heroísmo quanto a vilania
Ontem, amanhã, mais tardar ainda hoje

Condição Eremita (Pedro Drumond)






Condição Eremita
(Pedro Drumond)

Até quando?

"Até quando (?)" é uma imposição muito perigosa
Somos seres muito dúbios, muito imprevisíveis
Ratos de laboratório que causam tédio em quem os decifra
Certo está aquele homem
Que não mais deposita fé nos seus limites
Que tornou-se inteiramente apto
A não esperar mais nada de si mesmo
Que não se auto-cataloga eventualmente,
Tendo em vista que o todo obscuro é fascinante,
O que carregamos no interior de nossa materialização
Não é uma alma, se trata sim de uma fera
Sábio, portanto, é aquele que sabe sua condição eremita
De ser capaz de tudo (sem imaginar o que seja)
Ao mesmo tempo que reconhece sua incapacidade de nada
Sejamos céticos no que diz respeito as nossas definições
Não somos um porto-seguro
Um anil e plácido oceano pode facilmente
Se converter numa bacia de sangue
Enquanto um fruto peçonhento, coberto de espinhos,
Tenha mais maciez e amabilidade no sabor
Ingerido pelo nosso ser faminto