quarta-feira, 24 de julho de 2013

Simples Vultos (Pedro Drumond)

Simples Vultos
(Pedro Drumond)

A vida só acontece em segundos, o resto é ilusão
A questão mais intrigante a respeito da morte
Não é se algo nos espera depois dela
Talvez seja o que ocorra durante a sua presença
Ou se de fato ela chega a ser real no que propõe
E se no fundo fôssemos nada mais que um efeito colateral
Até que enfim combatido?

Caso contrário não sejamos nós, na realidade,
Que não passamos de simples vultos, incapazes de poder contar
Com a própria escuridão que nos tinge
Nossa essência é varrida de forma tão fugaz
Como se ela, outrora tão tangível, não fosse a prova mais concreta
De que todos somos abstratos, de que tudo é senão mera utopia

Todos nós já fomos engolidos ou vomitamos
Pelo que chamam de vazio
Pois bem, sabemos que tal abismo, uma vez sendo
O itinerário pelo qual nos lançamos em brasa perene
Mostra-nos ser tão consistente, não é mesmo?
E que absurdo, portanto, que a consistência da vida
Não chega a possuir um vazio próprio
E por mera covardia nos faz de frascos
Para servirmos ao seu descuidado depósito

Nos declínios daquilo que chamam de ego
É vero que só pode-se ter "o rei na barriga"
Aquele que possui a majestade na alma
Mas qual de nós a garantimos, qual?
Por que damos tamanhos preços
Ao que possui exclusivamente valor?
Assim o amor verdadeiro urge em nosso destino
Nos momentos conturbados, percebem?
Na guerra das derrotas, em meio a tantos percalços,
O amor diverge da oração, sendo em nossa morte
Que ele finalmente nos dá o seu parto
Supostamente venha crescer
Em estágios tão ou mais penosos
Dos quais eu nem tenho menção

Entretanto, já que minh'alma fez-se nebulosa
E por vício ou corrupção, romantiza tanto minha mente
Que define-me em eternas projeções, no sinuoso e estreito devir (vir a ser)
Passemos adiante nossas miragens, pois na lembrança alheia
Será isso o que seremos ou, se duvidar, meros esfarelados de ossos

Convenhamos que não estamos nenhum pouco interessados
Em saber a resposta para tudo o que questionamos
E toda vez que insistência de existir nos provocar
Invadindo nossa falta de ser com seu silêncio estuprador
Será nessa hora que compreenderemos
Os simples vultos dos quais podíamos nos vestir, talhados
Se já não fôssemos as roupas rasgadas, enlameadas,
Amarrotadas ou até mesmo plastificadas
Que são usadas ou extremamente ignoradas no armário
Ao consumismo ultra-humano que governa as predileções do amor.



quarta-feira, 17 de julho de 2013

Amor Dispendido (Pedro Drumond)

Amor Dispendido
(Pedro Drumond)

Somos nus um para com o outro
E nossas deformidades, devido ao amor que nos comunica,
Viram perfeição à nossa visão nebulosa da vida

Nem sequer atravessamos o horizonte do possível
Nem sequer atingimos o berço que seria o colo um do outro
Nem sequer estamos na mesma dimensão
Porém trocamos tão melhor nossas essências
Do que com os coadjuvantes das nossas cenas cotidianas

Somente dois amores podem expandir-se
Rumo a um universo desconhecido
Por serem interligados, ao contrário de unidos
Somente dois amores se reconhecem amores
Quando nem sabem mais quem ou o que são
Quando nada mais importa
Quando o que houver defronte ser dispensável
Quando esquecerem de que são uma obra
Mais engenhosa do que o que chamam de espírito
Quando nem é luz, quanto mais escuridão
É apenas amor dispendido

terça-feira, 16 de julho de 2013

Ópera dos Céus (Pedro Drumond)



Ópera dos Céus
(Pedro Drumond)

Certa vez fitei diretamente o Sol
No exato momento em que a ópera dos céus
Anunciava a glória trágica do seu crepúsculo
Intimamente tive a impressão
De que Deus, com ternura sorria à mim, por toda eternidade
Quisera eu, se possível, ter devolvido tal semblante à Sua entidade
Todavia me restava ficar apenas banhado
De toda minha humanidade espúria
Inquieto por condenação, procurando equilibrar-me sobre o lodo da vida,
Aonde fazemos nossas travessias
Como meros seres infantis, dotados de toda sorte de crueldade

Desta orquestra ecoa gravemente o som do silêncio
Que por mais preenchido que o fosse, manteria-se inexequível
No seu espírito sempre impassível, vago
Se soubéssemos que somos pequenas sobras de um orgasmo
Da Origem, da Criação
Despejos do ápice que enlaçou a realidade, por intermediária,
Junto à vida e a morte
Concordaríamos, por fim, em quão inútil é todo esse joguinho
De decifrar, lutar, surtar, vibrar, transcender descontroladamente

Louvado seja aquele que jubila-se, mesmo torturado na guerra
Dizendo que sua vitória fora finalmente inexistir, passando a viver só por amar
Louvado seja esse homem perfeito, que nem saiu do papel
Está lá... amaçado, rabiscado,visto que a vida rejeitou a proposta
De fazer de nós impecáveis robôs
Apenas vamos louvar tudo aquilo que não nos é consignado
Pois quando eu assistia ópera dos céus, não era Deus na verdade quem me sorria
Era apenas a escuridão do universo que disfarçadamente
Um cortejo havia me feito
Por fim... jaz aqui mais um poeta endiabrado

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Asas da Minha Demência (Pedro Drumond)



ASAS DA MINHA DEMÊNCIA
(PEDRO DRUMOND)

Fico enumerando os dramas da vida humana
No fundo são tão risórios...
Desde as sagradas lágrimas, que por quase nada são desperdiçadas,
Até às injustiças alastradas e sem espólios

Devemos distinguir com atenção
O simples fato ver do fenômeno grande olhar
Não esqueçamos quão grande fora a lição enfática, imortalizada
- As pedras que tinham no caminho de Drummond -
Pequenos detalhes contém universos, desapercebidos
Portanto grandes devem ser nossas vidas internas
Não estamos prontos, nem fomos feitos!
Inventar a si mesmo, para vida é o sentido

Diga-me no que tanto pensas diariamente?
(Sentir e pensar, são horizontes maiores que infinitos?)
- Ah, eu penso em sexo, em morte,
Em arte, nos futuros utópicos,
E de vez em quando eu sinto amor
Quando estou exatamente... pensando em nada!
E sem ter o que me atrapalhe, absorto-me,
E uma vez estabelecida a simples consciência de que vivo
(Estou vivo? Sou vivo? Ou fui vivo?)
Um certo incômodo é causado naqueles em minha volta, noto,
Eles tentam me puxar de volta ao que chamam de realidade
Alegando a minha aparente desconexão
E eu, do alto da fonte pela qual percorre minha alma,
Desdenho com simpatia seus equívocos
Na travessia da existência, nunca estive tão inserido
Quando embarco nas asas da minha demência
E não me julgo

De todos os erros, de todos os pecados
De todos os crimes, de todos os absurdos
Não existe hediondez maior que um simples fato,
Infelizmente tão presente na vida das pessoas, que é a auto-traição
A falta de auto-perdão ou a incoerência do auto-abandono
Que mil te digam não, jamais abdique da tua afirmação
Até que teu íntimo não consinta o último senso por si mesmo
Se teu coração é privilegiado por ser incorrigível,
Que diabos portanto te levam a buscar a perfeição?
De uma vez por todas, ela é conservada por verniz, não tem ruga, não se contorce,
Não se expande, é mera estática, é farsa! Poxa!

Que o homem jamais caia na besteira
De abrir mão da própria alma, ainda que essa seja
Enlameada ou espinhosa
(Pelo menos é o que a ti se formou)
Não se emerge contra a própria essência
Para a superfície do que não possa ser a tua verdade
Se tu és um monstro, um palhaço,
Uma sombra, um impoluto ou um fraco,
Ora, tu és a tua maior e única propriedade,
Como pensas justo disso abrir mão? Tá louco?
Pouco importa o quê, no entanto não perca a magia de ser
Isso é melhor do que a isenção de lealdade, sabe com quem?
Não com os outros e seus delírios
Mas contigo mesmo!
Um abismo não preenche outros vazios
Pelo contrário, só os violenta
Voe sã ou a deriva, mas voe
Embarque também nas asas da tua linda demência!

Ah..