terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Carta P/ Uma Poetisa




Sabe aquelas partes ocultas da alma da gente? Que nosso olhar jamais transparece, mas nossa silenciosa consciência a cada respirar timbrado faz questão de nos recordar? Podemos ser grandes pomares, adornados em beleza e frutos de toda espécie, mas nossas raízes são profundas, ó senão! Muito dimensionadas, espalhadas, emaranhadas num leme tão, mas tão oceânico da nossa alma, que só o ulular cruciante das noites sombrias ou um passarinho infantil que desfalece com suas asas partidas mediante o pôr-do-sol, compreendem o ponto que não tem começo e por vezes nos faz lunáticos por não encontrarmos o fim - O amor.

É minha querida, minhas palavras são bálsamos para suas velhas feridas? Elixir da cura de antigas e soterradas dores? Pois as suas me trazem para minha essência que não é nem boa nem má, simplesmente é...

Ah, as soterradas dores! Digamos que o amor trata-se de uma tinhosa planta que cada vez mais vai florescendo, florescendo... perfurando esse quinhão de terras secas de nossas lágrimas já um tanto convertidas... vai, vai crescendo, ora deixando furiosos nossos fantasmas internos, criando tanta briga, tanta algazarra, por se tratar justamente de algo tão "aparentemente frágil" que nem treme ou desfalece com as mais maquiavélicas contra-invertidas das nossas dores, nessa guerra inútil onde elas mesmo se criam, mas não saem vitoriosas...

É isso mesmo, minha poetisa... de amor poetas não vivem nem tampouco morrem, mas são escravos do sentir... sentir... sentir... como algo que não é real e se mostra tangível, como algo tão puro e verdadeiro. Mas trazendo uma abordagem que afirma que para dois nesse terreiro não há suficiente lugar - Ou nós ficamos, como sobreviventes de um holocausto, ou o sentimento será destruído. O que escolher?

Como num sequestro onde o desequilibrado malfeitor dá direito de escolha às suas vítimas que hão ter de optar: Quem morrerá enquanto a outra vive? Seria a vida desta última a mesma doravante?

Quando olharmos melhor veremos que o amor ultrapassou o subsolo e ainda elevou-se muito além dos mais altos picos montanhosos e congelados. Nosso amor é o sol das geleiras. Essas se fragmentaram em milhões, ariscas que são em ainda não dissolverem-se, mas o amor que nós, poetas e poetisas, guardamos no peito ainda sim é aquele sol... Nossa luz. Jamais se esqueça!

Pedro Drumond

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Insólita Fé (Pedro Drumond)



Insólita Fé (Pedro Drumond)

Os céus abriram-se diante de minha visão pacata
Olhei diretamente nos olhos da divindade
A distância não se faz capaz de penetrar em nada
Foi o que contornou as íris de Deus numa néscia simplicidade

No oceano catedralesco
Um redemoinho de desquitada especulação
É fruto da artimanha de um gavião soberbo
As folhas grisalhas mostram-me o verdadeiro espelho da vida
E o homem que pelos embargos de seu coração ainda mantém-se preso
Raramente ver-se-á refletido e desafiado a adentrar nas águas divinas
Pois até que não se aperceba de que a vida é uma orquestra silenciosa
Não dissolver-se-á na fagulhada alma dos cosmos
Tornando-se doravante um cadáver na supressão do aqui e agora

Por isso meu grande amor não foi. Meu grande amor é
Meu grande amor não começou nem terminou em alguém
Meu amor é mais que meu. O amor sou eu
Vigo da minha insólita fé

Logo após entronizar-me no vórtice sumbrado da constante expansão
Numa visão esférica percebo um mendigo a comprar um trono de ouro
Acordo e olho de soslaio que no plexo lunar esvaziei todo meu intrínseco choro
Na realidade crucial, o amor timbrado torna-se arte de venerada lápide
A espera de uma vida ainda não inventada
A tua presença, meu amado, faz-se portanto tão descarada
Que até mesmo na minha obsoleta solidão não me deixa experimentar a falta

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Cotidiano Inalienável



Extrair vida das próprias cinzas, sorver as lágrimas para matar a
sede, abraçar-se fingindo que é um outro a envolvê-lo com calor
humano, olhar-se no espelho e admirar a beleza que ninguém mais vê,
escrever para que a voz interior apareça, ter com quem falar, andar a
esmo, sem destino, incessante, golpeando o tédio pelas costas,
pousando a atenção ocular em tudo que vê, agarrar-se desesperadamente
aos livros para não pensar, seguindo simplesmente o que pensaram por
você, velando mansas e obscuras suas verdades que de outro modo você
facilmente ouviria, sufocar com o prazer, efêmero que seja, as
vontades mais profundas e intangíveis, eis a pincelada de um cotidiano
inalienável.

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Penumbra Meditativa



Já se faz tarde...
A noite molhada e fria abraça sombras fantasmagóricas num silêncio cúmplice indiscutível!
A lua tranquinar, buliçosa caminha e sem qualquer pressa desfila pelo céu vazio de nuvens. Ignorando estrelas, me espia através da folhagem de árvores próximas a minha janela...
Um pássaro noturno, também sozinho, solta arrulhos, nada poucos melancólicos... O tic-tac de um relógio comum agride minha expectativa de sono tranquilo com sonhos de ontem e hoje. As horas são sempre denodadamente iguais. Cansaço. Lágrimas...

Pessoas antigas não têm o privilégio de escolher lembranças, mas guardam o beneplácito de abraçar-se àquelas que lhe são mais caras. Nesta meditação compulsória, acessoada pela solidão que me contém as noites mal dormidas, crio  imagens de sossego, acalanto e até pequenos murmúrios fazendo-me adormecer.

Faço preces, imagino reencarnações cármicas, destinos, Vontade Maior...
Com uma pontinha de inveja, quase saudade, chegam-me retratos de ocasiões em que vivi intensamente várias atribulações e desânimos.

Valeu a pena? E como!..
Valeu a parceria? O tempo não me deixou analisar...
Podia ter evitado? Não saberia dizê-lo...
Amanhã quando tudo se acomodar, a própria rotina dar-me-á motivos bem solutos para sorrir de todos esses males que não são fáceis, mas também não podem ser considerados como difíceis.

Lá fora a noite se tornou mais fria e pareceu-me ouvi-la cochilando no vento.
A lua, para não ser indiscreta, acenou para mim com uma nuvem pequena e se aconchegou na maciez de suas curvas. Um pio agudo da avizinha triste acompanhou o bater de asas e o silêncio esparramou-se em mim e em toda outra forma de escuridão, de uma só última vez.

Pedro Drumond

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Anjos da Despedida (Pedro Drumond)



Anjos da Despedida (Pedro Drumond)

Não é de se surpreender que a lua não me visite todas as noites
Que eu nem esteja mais aqui a absorver
As mais insepultas e murchas flores
A garganta ainda me mata. O frio me embala
E a fumaça que me cura é meu espectro
Saindo de mim de forma compulsiva e tragada.

Tantas palavras para compreender o infinito vigoroso do silêncio
Tanta vida para perceber que nada nunca existiu
Tampouco eu. Quanto mais você
Quanto mais sensações, menos sensibilidade.
Quanto mais verdades, mais distante torna-se a realidade

Um vazio que nem mesmo qualquer lásia de solidão contém
Uma inexistência animada e bastante vitalizada
Se nasci para voar com essas asas foi somente para andar com os pés no chão
Vivendo sabendo que não existo. Tanto existindo que fico sabendo o muito que vivo

Se eu  chegar a fechar meus olhos, sentir a brisa, talvez ouça meu canto
Se souber mencionar o quanto prezo pelos ciclos da vida
Saberei que na correnteza dos rios
As águas translúcidas evidenciam aquele quem amo

Meu amor pelos anjos da despedida é assim mesmo
Sem correntes, sem prisões
Por isso ele não se arrebenta nem nunca fugiu de mim
É tão livre quanto o ar
Ele vem, eu sei ficar. Ele vai, eu sei andar
Ele não está aqui comigo. Mas estou com ele lá.


terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Por: Chlarlotte Bourvié - Presente Roubado

A rosa negra exalou especialmente para mim sua eterna essência...

***


"Presente Roubado" 


Observa a Lua lá fora,
Olha tantas estrelas!
Amor
Vai até a janela
Por meia hora apenas,
Observa o céu
A Lua e a estrela:
-“Você e eu”
Tá bom,
Eu sei que é só ilusão
Essas aspas,
Mas quem disse que o que tu vês
Também não?
A Lua e a estrela mais próxima
Estão tão distantes,
Nem se conhecem,
Porém à noite aparecem juntas
Para os olhos que as vêem.
Amor
Vá lá fora,
Abre as mãos,
Toma-as,
Lua, estrelas, planetas...
Fecha,
Volta pra cama,
É bem tarde, eu sei... Eu sei meu bem.
Amanhã quando de novo observá-las,
Lembre-se, amor, que fui eu quem também as roubei. 



Charlotte Bourvié

Singelo Caminho (Pedro Drumond)



Singelo Caminho (Pedro Drumond)

Doce, pequeno, escaço
Assim foi meu singelo caminho
Voltei junto daquele tão distante de mim
Sim, dividi com ele meus passos
Mas parei pela metade, pois ele prossegue num outro fim

Nem sei nem mais como me sinto
Surpreendido, digo-lhe adeus com tamanha naturalidade
Mas compreenda, não houve outra maneira deste mantra não aprender
Depois que comigo veio morar a saudade

Prosseguindo, ele silenciosamente repara na beleza da paisagem
E me comenta tempos depois
Nada digo que sinto, nada acho
Mas sabia ele que para mim o belo era nós dois

Por amar demais o meu próprio sentimento
Não entrego-lhe mais a um andarilho desconhecido
Como se tal fosse um filho meu em meus braços
Como se tal deixasse de ser meu único sentido


Morcegos Inquilinos



Chego desgastado, como que mortificado nos trilhos de um trem sem caminhos. Reparo na passagem inimicíssima dos vales o contraste que as flores de cores sangrias fazem a um céu aspemo, em nuvens transparentes que tão bem declaram a obscuridade do mundo, luzido em caos.

Da minha vida, inexistente em germens asquerosos do ciclo natural das coisas, perco o restar das inconfinadas energias do sexo viril, pois vejo-me arrebatado por um espectro de capuz negro cobrindo-lhe as faces, a espreitar minha chegada até um bosque perdido, fazendo-me perder as lancinastes jóias do meu corpo virgem de tão desgastado que foi.

Deito-me na cama, sangro. Um gemido orgástico se faz. Preciso rir mediante a tortura por ter o péssimo hábito de querer ver tudo no lado positivo das coisas, no lado das fantasias que tão bem não inventaram, mas me fez acreditar na vida.

Adormeço. Esmorço. Outono das folhas sem cor, sem dor, sem luz. Era tarde e noutra notívaga cerimônia dos céus eu também não adormecera. Estou viciado no veneno contido do ato de respirar desairosamente. Já vinha-me morto, pois minha escolha de suicídio é o excesso de viver. Mas tão logo cedo desperto.

Nova relfa, outra dimensão. Não é dia, não é noite e a madrugada eu nunca soube reconhecer. Tal como não sei a diferença de ironia para sarcasmo. Seriam dois graus de um mesmo entendimento? Hecatombes!

Falso. Amor e Ódio, graus de polaridades diferentes, uma só temperatura. Desperto no momento em que a vida encontra-se estática; tudo vivente na matrix ficcionista do agir sombrio.

Minha janela está escancarada e novamente me deparo com os extraterrenos cujos os olhos profanos são incapazes de me enxergar. A lua é um vórtex de chamas beligerantes. Só eu fui amaldiçoado com a penosa clarevidência da alma interna. Não há corvos, mas morcegos moram, celebram e dizem que nunca mais sairão da minha janela.

Pedro Drumond

Fluxo da Vida



A mesma faca que você utiliza para preparar o alimento que te sustenta pode ser a mesma faca que você usa para dar desfecho a um trágico homicídio. A faca é neutra, só a você cabe o poder de escolher qual será a sua real finalidade. E assim também é a vida. Neutra como o ar, espera ansiosamente o que faremos dela para então saber o que fazer de nós. Da mesma forma que você for contra o fluxo dela, ela também irá contra o seu, simplesmente!

A vida é muito imperiosa, diplomata e atarefada - Há milhares de pessoas para ela oferecer a maior das suas atenções, as melhores das suas bençãos. Ela tem mais o que fazer a perder seu precioso tempo oferecendo o melhor que ela é/tem para as pessoas estúpidas que sempre permaneceram como se tais fossem represas fechadas, bloqueadas; não há porquê a vida oferecer desvelo às pessoas que sempre permaneceram ingratas a tudo aquilo e aqueles que as rodeiam - sejam aquilo que a nossa ínfima percepção qualifica com bom ou mau.

- Pedro Drumond

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Subdimensionado em Sombras (Pedro Drumond)


Subdimensionado em Sombras (Pedro Drumond)

Acordei em solidão. Acordei tarde
Olhei o dia, mas já era noite
O Sol se foi e eu não lhe aplaudi
A Lua, submersa na plena escuridão, eu não a vi

Acordei e a vida já tinha passado
A morte sobreviveu
Já eu perduro nem vivo nem morto
Mas num'outra dimensão
Imensa. Infinita. Desconhecida!

Limitando-me, reparei na quantidade de vestígios deixados no cinzeiro
Presumi o quanto, fortuitamente, tenho que esvaziá-lo
A fim de mais uma vez desfarelá-lo 
Com minhas vãs e risórias expectativas

Talvez seja assim mesmo a vida - Algo que precisa ser preenchido de mim 
E depois de muito degastá-lo, eu que me torno um ser apagado, qual vela
Sabendo que não fui a causa de seu fim 
Mas o fim de minha própria causa será ela

Acordo na dúvida se ainda devo depositar mais um segredo 
Aos ouvido daquele por quem tanto me inflamo
Caso ainda seja mister falar da minha vida
Do meu sonho, da minha saudade
Contornando o desprezo  
É vero que ele irá escapar por entre estradas bucólicas
A espera de alguém que o distraia 

Já subdimensionado em sombras, hei ficando
Enquanto nada pouco lhe importar meu apelo, sem desvelo
Meu surdinoso "Eu te amo".

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Sinais de Precipício (Pedro Drumond)



Sinais de Precipício
(Pedro Drumond)

Quando somos caras limpas
Vulneráveis estamos a quaisquer tipos de aparições
Por isso que nas grutas lameadas da vida
Não é raro encontrar entre o prazer e o sacrifício
Seres imersos em dúvidas e turbilhões
Que como anjos ou demônios, vai saber
Seriam capazes de cegar os olhos d'alma sem o mínimo de pudor ou destreza
Seja com a luz inexorável da ternura e do viver
Ou com a lamparina azul escura das lágrimas turvas
Dignas filhas da Tristeza, essa dama última que tão bem cheguei a conhecer

Quem já andou guiado de escuridão sem saber o que é liberdade, como um dia fui eu
Quando engatinha pela luz habiamente se contém por relembrar tudo aquilo que outrora conheceu
Como quem voa nas melindrosas aventuras dessa vida, confrontando incontáveis perigos
Mas batendo suas asas  não apaga da memória a desventura de todavia ter um dia tido
Um coração que fosse desfarelado, partido

Não daria sequer um último suspiro a fim de refletir sobre algum desengano
Alguém que até certo ponto não conhecia a humana vestimenta covarde e ingrata
Ao ponto de mandar suas aspirações e medos no fim das contas irem-se embora
Seguindo marcha às puras algemas do ser humano, visando entregar o melhor de si
O melhor de ser quem era, falar o que falava, vestir o que vestia
Ouvir o que ouvia, ser quem se mostrava
Mas ainda assim hoje confesso
O melhor de mim está incutido em quem amo, fora isso não sobrou-me restos

Quando um dia reconhecemos que a melhor forma de viver
Não seria dando saltos quânticos, mas sim se desvincilhando dos espinhos do caminho
Não lutando contra as pedras da correnteza, mas sim contornando o obstáculo que não se choca com o rio
Poderíamos quiçá até estarmos a mercê disso - A plena felicidade conceber
Caso fossem o engano e a ilusão próprios daquele que não pensou sozinho
Acredito na luz das sentinelas sentimentais, se assim me permitem dizer
Mas não creio que eu venha conviver com alguém, até comigo

Com calma e espera outras margens virão
E nesse momento esse é o meu caso, apesar de sensitivo
E felicidade não é sensação passageira, é consumação
Por isso no mundo de hoje em dia repletos são os territórios
Onde as pessoas se esqueceram ou nem chegaram a saber quem são
Nem querem mostrar isso aos outros
Pois é-lhes mais prudente não indicar seus acrisolados sinais de precipício

Mas eu sou desses ó:
Não conheço a mim mesmo, pois a consciência é meu único poderio
E os sentimentos? Ah, meu amigo, os sentimentos! Esses são os meus preferidos inimigos.

Rejeição (Pedro Drumond)



Rejeição (Pedro Drumond)

Não, não quero
Nem posso mais querer amor nenhum
Bastante já foi o amor que não tive
Pouca certeza tenho eu
Se encontrarei amor em ser algum

Vocês não entendem, pois queira Deus que não sintam
O amor que é sonhar e sonhar que é morrer, pois eu morri
E o amor que se encontra em mim
Ainda se fez eterno após o meu fim

Sofri, sofri por demais e como bem o sei
Sofri pelo beijo que senti sem ser aquele que provei
Pelos olhos juvenis quais tão bem via-me refletido
Olhos esses que eram espasmos
Sem jamais perceberem o amor que sinto
Como um mero desconhecido, sofri pelo abraço que nunca me consolou
Mas nos braços daquele ser desalmado morando estou

Sofro, ainda sofro muito por você, Rejeição
Se vives afastada de mim, mau sabes o quanto lhe amo
Mais a roda da vida vai nos aproximando
Como se o hoje fosse algo intricado, sobre-humano
Jazendo morta uma vida sem fim

Laços Fraternos (Pedro Drumond)


Laços Fraternos (Pedro Drumond)


Lembro-me bem de avistar-te imerso em plena solidão
E dos chambregos agoniantes que aquilo provocara em meu belígero coração
Assisto a nós dois em eternos abraços, belicosos beijos
E a aquela tua chegada que tanto espero
Afrouxam-se nesse instante do peito os laços fraternos
Que doravante serão sequer miragens
Daquela última realidade
Que o destino não apoiou nem nos fizera eternos


No meu silêncio há inúmeros e ainda insuficientes gritos
Que devastam-me da mais penosa escuridão
Contemplo o célico plenilúnio que despenca janela afora
Sempre a indagar-me quem por ventura terá nesta noite os teus carinhos
Quem ganhará neste hora os teus abraços
Pois tanto sei que meu pensamento faceiro
Percorre os rastros de teus caminhos e se guiam pelos teus passos

Ah, meu amor, quanto há de latifúndio nesse jeito tão teu
Não se esqueça de mim, pois meu assombro não te esqueceu
Mas quem diria que foi assim mesmo meu peito feneceu?
Quem será que tu amas ou fará amar
Para logo após mandar embora?
Quem chorará como eu e onde tu estarás
Perambulando nesse mundo de solidão por agora?

O Mundo & A Vida (Pedro Drumond)



O Mundo & A Vida
(Pedro Drumond)

Viveu, não aquele que soube sorrir
Mas sim aquele que suportou a dor de um amor até o seu fim
Aquele que fez da sua dor um ato de prazer, alegria
Benção e gratidão

E que a humanidade inteira precise de mim
Que eu possa ajudar todavia quem realmente necessite
Pois aquele pelo qual guardei meu bem querer e amor maior
A mais pura das singelezas não fora o bastante
Nada do que tinha pude lhe ofertar, tampouco minha vida lhe servir

Mais defragante do que quem tem a liberdade de voar
Conhece o mundo e a vida
Aquele quem ligado a uma outra possa se encontrar
Alma essa perdida quem sem saber com um certo coração roubara
E de tanto saber amá-la, não mais se reconhece o mesmo que foi, o mesmo que é
Ao ponto de não saber cogitar nem por quaisquer piegas sequer
Como que, por ironia do destino, meu Deus, irá abandoná-la.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Cinzas de Carnaval (Pedro Drumond)



Cinzas de Carnaval (Pedro Drumond)

Melhor viver na saudade que rever-te num presente
Onde o futuro para nós dois seja algo muito tarde
Receber-te na minha doença de vida
Não é melhor que enamorar-te na minha soberba distância
Pois ainda por cima meus braços não pondem sequer
Darem-sem o privilégio mais pequeno de se agarrarem ao teu corpo másculo
Formando contigo de um elo com a fêmea que sou um único eu
Seu coração há de estar num estado muito mais longínquo ao meu
E assim sendo, como jamais me fora com qualquer outro, minha alma não te alcança
Minha fantasia não mais te reconheceu

Ah, meu amor, quantas bençãos me deram a vida
Quanta dor, quanta angústia, tantos erros do meu peito viraram pó
A vida me tratou com tamanho desvelo especial
Que renasci na qualidade de um novo ser
Ser esse que hoje não se diz tão só
Como se jamais viesse noutrora lograr as cinzas de carnaval
Mas quem me garantia que eu iria te encontrar
E na absortância do meu próprio regojizo
Não te reconhecesse mais como aquele ser que tanto amei, tempos atrás
Pois em verdade lhe digo que se não fores hoje um menino muito dos tristes
Certamente já fordes mais alegre num tempo derradeiro
Alegria essa que teus olhos não mostram mais

O engraçado é que no meio da multidão permaneço o mesmo
Não mudei de imediato, apesar de amar-te sem qualquer pretensão de que lhe mereço
Pois ainda ponho-me a esbarrar contido, de forma ingenua, mas proposital
Assim partilhamos os minutos num mesmo caminho
Não tendo nada mais a dizer um para o outro
Aspiramos nossas essências através de um vórtice silêncioso, visceral
Voltamos a uma eternidade de outras esferas
E enquanto a solidão para mim será uma celebração, um cajado de minha realeza
Para tu será o melindroso deserto e alcorão
Onde esquecido do amor em nosso espaço
Sentes tu a mais sórdida das tristezas

O amor na alma de um homem, quando sentido ou desperto por alguém
Ainda que não seja correspondido ou revelado por mais ninguém
Passará a ser a força motriz encarregada de conduzir este mesmo homem, esta mesma alma
A amar a vida de dada forma que aspirante nenhum sequer amou-a ou mesmo a quis
Nem será capaz
São estágios, processos, e tudo conduzindo a um mesmo fim - O ponto onde o homem se surpreende, pois passa a amar a si mesmo. E a se colocar no lugar de todas as demais existências sem quaisquer pretensões ou espurcos. Genuíno. Nada a perder. Nada a ganhar
Amando, simplesmente por ser capaz de sorrir chorando
Amar de forma irreparável que não haveria de ter concebido outrora
Amar levado por uma simples condição que já lhe é o bastante - Simplesmente amar!

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Vagão Cósmico (Pedro Drumond)




 Vagão Cósmico (Pedro Drumond)

O Sol pode enxergar a Alma do Mundo
Este por sua vez absorve suas ondas
Ambos se comunicam, fazem as plantas crescerem
E as ovelhas se aliviarem no manto das sombras
De onde o Sol está - E olha que é muito longe, todos podem perceberem - ele aprendeu a amar
Sabemos também que caso ele se aproxime um pouco mais da Terra
Tudo o que há nela morrerá e a Alma do Mundo deixará de fluir
Portanto o Sol e o Mundo de longe se contemplam, se querem
Por causa do Sol, o Mundo recebe vida e calor
E por causa do Mundo, o Sol tem uma razão de existir

E assim é comigo
Sou muito ligado ao amor, distante do meu amado
Pois para ele a vida desvelou outros princípios
Contudo, no vagão cósmico, o etéreo nos é consignado
De longe nos contemplamos, nos queremos
De longe nos desejamos, pode ser que até nos amemos
Mas sê perto, somos drasticamente extintos
Aprendi, porém, a ventura de amar como o Sol
Aprendi sim a amar, e se acaso eu for amado, permaneço só

Mas uma mulher do deserto sabe bem como esperar o seu homem
A partir daquele momento o deserto passa a ser-lhe mais importante
Mergulhada no vazio caótico e o Sol escandecendo
Tudo o que se experimenta agora é um resultado do que se produziu antes
Fremidamente ordena ela que seus beijos sigam a caravana dos ventos
Pois sabe que eles lhe desembarcam no coração amado de forma rompante, granida
Lhe recordando, deveras, que do lado outro de cá, há uma donzela pelas espreitas, ainda viva
A espera do seu homem, que partira em busca de sonhos
Ou seja lá o tesouro que for
Por isso apoiou cônscia de antemão o seu pedido de adeus
Lembrando-lhe que as dunas podem mudar com o vento
Mas o deserto ainda permanece o mesmo
E assim é o meu amor

Sou um homem em busca de sonhos e tesouros
Um digno, bravo e fiel guerreiro
Mas também sou uma mulher no oásis
A espera da real chegada ou ansiado regresso de seu companheiro
Na companhia das tremeiras, poços beligerantes
Na solidão do mundo vivendo estou
Assim sendo do céu desponta uma estrela cadente
Já é tarde, vai vigente
Ó, minha flâmula de dor!