quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Cinzas de Carnaval (Pedro Drumond)



Cinzas de Carnaval (Pedro Drumond)

Melhor viver na saudade que rever-te num presente
Onde o futuro para nós dois seja algo muito tarde
Receber-te na minha doença de vida
Não é melhor que enamorar-te na minha soberba distância
Pois ainda por cima meus braços não pondem sequer
Darem-sem o privilégio mais pequeno de se agarrarem ao teu corpo másculo
Formando contigo de um elo com a fêmea que sou um único eu
Seu coração há de estar num estado muito mais longínquo ao meu
E assim sendo, como jamais me fora com qualquer outro, minha alma não te alcança
Minha fantasia não mais te reconheceu

Ah, meu amor, quantas bençãos me deram a vida
Quanta dor, quanta angústia, tantos erros do meu peito viraram pó
A vida me tratou com tamanho desvelo especial
Que renasci na qualidade de um novo ser
Ser esse que hoje não se diz tão só
Como se jamais viesse noutrora lograr as cinzas de carnaval
Mas quem me garantia que eu iria te encontrar
E na absortância do meu próprio regojizo
Não te reconhecesse mais como aquele ser que tanto amei, tempos atrás
Pois em verdade lhe digo que se não fores hoje um menino muito dos tristes
Certamente já fordes mais alegre num tempo derradeiro
Alegria essa que teus olhos não mostram mais

O engraçado é que no meio da multidão permaneço o mesmo
Não mudei de imediato, apesar de amar-te sem qualquer pretensão de que lhe mereço
Pois ainda ponho-me a esbarrar contido, de forma ingenua, mas proposital
Assim partilhamos os minutos num mesmo caminho
Não tendo nada mais a dizer um para o outro
Aspiramos nossas essências através de um vórtice silêncioso, visceral
Voltamos a uma eternidade de outras esferas
E enquanto a solidão para mim será uma celebração, um cajado de minha realeza
Para tu será o melindroso deserto e alcorão
Onde esquecido do amor em nosso espaço
Sentes tu a mais sórdida das tristezas

O amor na alma de um homem, quando sentido ou desperto por alguém
Ainda que não seja correspondido ou revelado por mais ninguém
Passará a ser a força motriz encarregada de conduzir este mesmo homem, esta mesma alma
A amar a vida de dada forma que aspirante nenhum sequer amou-a ou mesmo a quis
Nem será capaz
São estágios, processos, e tudo conduzindo a um mesmo fim - O ponto onde o homem se surpreende, pois passa a amar a si mesmo. E a se colocar no lugar de todas as demais existências sem quaisquer pretensões ou espurcos. Genuíno. Nada a perder. Nada a ganhar
Amando, simplesmente por ser capaz de sorrir chorando
Amar de forma irreparável que não haveria de ter concebido outrora
Amar levado por uma simples condição que já lhe é o bastante - Simplesmente amar!

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