sábado, 22 de março de 2014

Encarando-se Depois de Morto (Pedro Drumond)





Encarando-se Depois de Morto
(Pedro Drumond)

Que devaneio mais assombroso esse meu!
Será angelitude ou possessão de minha parte?
Só sei que não se explica
A inconfundível paralisia do espírito
Sofrida quando, no ápice da loucura
De ser intensamente sozinho,
A pessoa passa logo a se imaginar falecida.

Bem assim... Como se por um segundo
Fosse alguém totalmente distinto de si:
Encarando-se de fora, encarando-se depois de morto.
Passando por suas fotografias, por suas declarações,
Por suas obras, por suas digitais, pelos seus rastros,
Com o pudor e zelo com que se conecta
Com o atalho deixado por uma alma
Que já fora autora, cedo ou tardiamente,
Da sua irrevogável partida.

Como é estranho então morrer internamente
Se for para se encarar exteriormente
Com os sentimentos oriundos de "outro",
Somos regidos pela brevidade de um tempo qualquer.
É como se a morte emprestasse-nos certa beleza divina.

Como se ela, a dita morte, tornasse a pedra
Num piscar de olhos, um fulguroso diamante.
Como se ela, o que chamam de fim,
Levasse-nos a encarar
O nosso ente próximo ou distante
Como devíamos tê-lo feito por toda vida:

Como um milagre que não se conspurca.
Como um mito, uma miragem, uma visão
Que por ser intangível, mais real se qualifica.
Como de fato um milagre da vida
Que não causa maiores perturbações,
Posto que a natureza humana
Depois de provar-se humana
Através de sua mortalidade
É mais sincera, é mais pura.

Como uma natureza que não nos fenece
E sim como um milagre
- A simples existência do ser -
Coisa tal que singularmente nos dignifica!

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