quinta-feira, 6 de março de 2014

O Pacto dos Sentimentos (Pedro Drumond)





O Pacto dos Sentimentos
(Pedro Drumond)

O tempo passa rastejante.
Observo a chuva cair.
Na sala estão os linguarudos.
Eles me contemplam distante
E não percebem que sou capaz
De nitidamente distinguir
Cada açoite que me delegam,
Cada áspero e ácido veneno
Que hipocritamente me injetam,
Cada silêncio da falastrona ignorância
Que corta os seus seus dialetos.

Perscruto o meu interior - nada encontro -
Da vida só percebo o aroma.
Assim embrumo-me em meio as suas fragrâncias.
Agora estou em outro percusso - a viajem se faz longa.
Quantas belezas encontro no caminho!
Quantas tristezas se dissipam!
Finalmente me torno uma questão calada.
A vida provou-se maior que eu
E com soberania amordaçou-me a inquietação.
Agora não passo de uma alma pálida
Plácida, falsa, esquecida e livre.
Em suma: Não passo de uma obra inacabada.

Até mesmo a banalidade é um fardo
Quando ser profundo
Torna-se uma questão obrigatória,
Ao contrário de espontânea.
É injusto nos lançarmos, portanto,
Em aventuras desconhecidas
E logo em seguida, ao abraçarmos
Os caros afetos por nós descobertos,
Termo-lhes arrancados de nós assim...
Sem mais nem menos...
Como a mãe separada do seu filho,
Seja nas guerras ou até mesmo no inferno - vai lá saber...

Se eu acaso encontrasse
Aqueles que por ventura me disseram adeus
Ou que preferiram se apartar de mim,
Supondo que viram
O deplorável quadro de minha alma,
Tal qual Harry Wotton fizera em contra-partida à Dorian Gray,
Tenho plena e convicta a sensação
De que a arte que encontraram
Não fora nascida senão
Para estancar com o tempo
E silenciar as almas afogadas como a minha
Num recolhimento assombroso!

O que quer que eu tenha sentido
De verdadeiro nessa vida
Deveras permanece intacto.
Uma vez feito, jamais sendo capaz
De se reconsiderar dos sentimentos, o pacto
- Essência do homem que sobrepõe-se até de si mesma
Afim de permanecer inalterável  -
Basta que ele, o dito homem,
Seja leal às suas escolhas, aos seus amores.
A dor tortura, enquanto, por sua vez,
A reciprocidade enlouquece!

Estive aqui por quem acreditei
E aqui continuarei estando
Ainda que eu seja sempre dispensável
Para todo aquele que amei.
Fim? Se existe algo do tipo
Para os amores e esperanças humanas,
Como os que sigo como sinais de direção,
O meu sobrevivem mesmo após a morte
Uma vez que tenha sido eu sua solenidade.

Predisponho-me sem qualquer titubeação
A ficar aqui para ser um cadáver,
Naufragando no apodrecimento do tempo,
Até o dia em me tornar para o meu próprio coração
O que a escuridão da noite é para as estrelas.

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