quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Sentenciável Afronta (Pedro Drumond)





Sentenciável Afronta
(Pedro Drumond)

A canção tocou na hora errada.
Os sinos da capela bateram na hora certa.
Os olhos dos anjos amantes
Outrora brilhavam de encanto
De pureza, de ternura, de romance.
Os olhos que um pelo outro eram cegos de amor!

Hoje se olham fatalmente
Com o olhar dos humanos:
Enlameados, ofuscados,
Lacrimejados, dilacerados.
Visões turvas, distorcidas
A morte escarnizando a vida
Enquanto a mesma se põe a pensar:
- Existe piada maior do que a morte?
- Psiu, silêncio! Não há o que falar! - responde a dor.

O amor, incapaz de se enxergar,
Resvala suas miragens incrivelmente tão tangíveis,
Esdruxulamente condizentes a qualquer mera alucinação.

Se possuo os elos, antes tão complexos,
Tão unidos, tão emaranhados,
Ungidos que eram pelos deuses,
Que com tamanha erosão agora se desfiam,
Regidos pelo tinir das profícuas agulhas,
Tenho por desmascarado o triste semblante da paz,
Cujo verdadeiro espírito é o meu senso de angústia.

Então jamais terei eu em mente
Alguém a quem perder,
Assim como ninguém poderá
Certo dia me ganhar.
Jamais alguém terá me tocado,
Assim como serei incapaz
De outra alma afetar.
Nada disso será possível, é o que parece,
Justamente por serem invisíveis
As fortalezas que imperam na mente.
De nada se aproximam, se comparadas
Às caóticas resoluções da vida real.
Aparto-me de botar mais lenha nessa fogueira.
Aparto-me de me defender, de toscamente ofender.
Não vou mais me explicar!

Ainda que o ser amado fosse
O único incompreensível da multidão por mim aceito,
Quando o nosso coração sangra, chora,
À porta se aperta e por fim se aparta.
Não precisamos receber mais carinhos.
É nesse momento que o poeta sabe
Quando rasurar os seus delírios.

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