domingo, 9 de fevereiro de 2014

Tempo da Liberdade (Pedro Drumond)




Tempo da Liberdade
(Pedro Drumond)

Meia-noite...
Alguém recebe a benção.
Outro recebe o açoite.
Meia-noite...
Tempo perigoso.
Tempo glorioso.
Tempo em que máscaras caem.
Tempo em que disfarces se erguem
Como os pilares soberbos do Templo de Delfos.

Será que os adultos de agora
Tão crianças em suas maneiras
Conseguiram entender por quê o lobo-mau
Urge especialmente a meia-noite, à luz da lua cheia?

Meia-noite...
A fina dama, sociality, sai de casa nas pontas do pé
E vai para as calçadas das zonas mais baixas,
Famosas às margens da sociedade,
Para refazer os homens que estão em busca
Dos prazeres mais devassos.

Meia-noite...
O senhor moralista, o grande chefe da família, o fanático,
Portando bigodes grossos, olhar duro, cenho fechado,
Que vive sistematicamente o rigor dos ogros
E a todos amedronta até que se sinta respeitado,
Está agora, clandestino, nos braços de alguém.
Só não sei se os braços que lhe percorrem todo o corpo
- dos cabelos ao falo -
São os braços de uma puta ou um viado
(talvez sejam os dois!).

Meia-noite...
Alguém é assassinado
Ao mesmo tempo que no sul da cidade
Uma mãe acaba de dar à luz o seu bebê.
Um novo ser que estréia no palco tragicômico do mundo
Lhe retribui a felicidade de ter gerado uma vida
(Privilégio esse, cuja mulher, fatalmente mortal, mais anseia).

Meia-noite...
Enquanto os boêmios estão rindo no bar,
Enquanto alguém se farta d'um apetitoso banquete,
Alguém está no quarto a chorar.
Um mendigo tem fome de vida
Assim como da morte tem sede.

Meia-noite...
Tempo em que tantos fatos e ocorridos se reúnem
Coisa que, sobretudo, jamais caberia numa vida inteira!

Meia noite...
Minha fera desperta.
Ganho outros contornos.
Minha paixão aumenta.
Uma força estranha me toma o corpo.
Proponho-me a ir ao mais tenebroso umbral
Desde que os meus desejos da carne sejam satisfeitos.
Ao mesmo tempo posso subir aos céus, tocar as estrelas
E me encontrar jubiloso no mais elevado pico das purezas
Com aquela rarefação própria dos amores sublimes.

Meia-noite...
É o tempo em que se abre a caixa de Pandora.
Nesse ínterim o portal do céu e do inferno
Se transformam e acasalam-se num só.
Sou imbuído, portanto, de atravessá-lo,
Caso contrário me restará dormir
Correndo o risco de jamais novamente despertar.
Há tempo de em protesto às regras,
Ter tido um verdadeiro alívio.

Meia-noite... Tempo da liberdade
Dos prisioneiros noctívagos.

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