domingo, 16 de fevereiro de 2014

Sina (Pedro Drumond)




Sina (Pedro Drumond)

Vilão, herói.
Coração que corrói.
Sou mais do que os dois,
Sou a pedra que amolece
E a ferida que não dói.
Minha sujeira, minha cartasse,
São a certeza de toda corrupção
Justa e injusta, digna e indigna,
Que em sua fenícia me invade sem pudor.

Eu sou um traidor.
Apunhalei as costas de um amor
E como tudo estava escuro, ela nada ciente,
Acabou sem saber quem foi (é, mas fui eu...).
Eu, quem a apunhalei por trás
Sou o mesmo quem lhe consola pela frente,
No entanto quando ofereço o meu apoio
Eu sou verdadeiramente um, distinto do outro,
Eu quem lhe roubei paz, sou o mesmo
Que lhe aconselha a melhor proteger-se,
A arquitetar de maneira definitiva os muros
Que devem impedir a mínima entrada na sua vida
De gente que seja igual a da minha espécie.

Conspurcado, fui ladrão
Porque a vida tinha me impedido
Do direito de ganhar.
Apaixonado, errei ansiando mais
Pelo gosto do perdão
Que somente eu poderia me dar.

Assassino a alma de uma pessoa
E no mesmo ínterim lhe devolvo a existência.
Ela não há de perceber, pois permanecerá
Nem salva, nem afogada, apenas aplacada,
boiando nas águas sujas do rancor.

Assim é o ser humano, um viciado em dor
Que vive a respirar o ar da sua insistência.
Se causar lágrimas nos outros é tão fácil,
Difícil é promover os sorrisos que labutamos
Sem sequer serem percebidos.

Na vida interna, matei a minha mãe de raiz
Aquela quem me deu o prato de comida, fina educação,
E ao mesmo tempo, obnubilada de ilusão,
Amordaçou-me, acorrentou-me,
Tirando-me ora a liberdade, ora a vontade
De ir  apaixonadamente ao encontro da vida.
Foi ela o amor quem machuquei
Sendo covarde demais para assinar
A obra da minha própria autoria.

Ao mesmo tempo recolhi nos caminhos por onde passei
A culpa dos outros, a culpa dela e a culpa minha.
Engoli tudo aquilo como se fosse uma indigestão só,
Preparada especialmente para mim.
Por ela eu daria a alma, na verdade lhe devo a vida,
Mas ainda que eu machuque e cure ao mesmo tempo,
A incoerência do meu ser, condenado a humano, é de dar dó!
A essência de viver e morrer, em nome de quem amo,
É o remo mais confiável que tenho - o sentimento -
Por isso tenho essa sina de ser só.

Posso até ser um hipócrita,
Um amaldiçoado, um traidor,
Mas até agora estando ao seu lado
Sou mais do que nunca fiel ao nosso compromisso,
Fiel a nossa missão, fiel ao nosso amor.

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