quarta-feira, 14 de agosto de 2013

AMOR ENTRE ANÔNIMOS



AMOR ENTRE ANÔNIMOS

Não é possível, não pode ser possível! Eu conversei com o amor, eu dialoguei com essa entidade, ela estava aqui, bem ali, exatamente nesse ponto em que a sombra permeia o vazio do meu quarto, enquanto as luzes da televisão são neons infantis que decidem perturbar o plenilúnio da luz fria, gelada e ufológica da lua. Sim, o amor estava aqui, ele chegou da rua, ele sentou-se comigo, nós nos conhecemos. Ele me contou os seus segredos. Por Deus, ele me revelou que precisava de mim! Nunca, em qualquer momento da minha vida, um amor se confessou necessitado de si mesmo e me confundindo como tal. E ele sabia que eu tinha a minha alma para dar. Ele sabia que a minha alma estava há tempos na vitrine, em exposição dramática, nas prateleiras em que os usuários pegavam, apalpavam, lambiam e a sacudiam, conferiam o seu prazo de validade, e a abandonava no exato momento em que descobriam que minha alma, sub-produto de todo desperdiço de inquietação do universo, jamais fora testada. Era até então sem propósito. Pois bem, o amor queria, ele me confessou, ele precisava ser desejado, ele queria que eu fosse sua rainha, ele queria um mundo só nosso, ele confessou isso a mim, ele me disse todos os versos que eu declamei e aqueles que eu não mais acreditava ser capaz de transcrever. Incrédulo e deslumbrado. De um extremo ao outro eu percorri. O amor disse-se carente e na medida em que mais pintava-me as telas do seu vazio, mas relatava  quantidade que tinha dentro de si de sentimentos reprimidos, intocáveis, que cobravam-lhe de uma vez por todas um abrigo. E eu era um lar. Não menos órfão, perdido. Mas era... O amor falou de um mundo só nosso, falou comigo tudo o que eu sempre quis ouvir, nós não fizemos sexo, não nos tocamos, não nos exaurimos... os corpos seriam entulhos sobrepostos a outros, certamente, evitamos, nós nos despimos desta carcaça bruta e etéreamente sobrevoamos as estrelas, que por sua vez ficaram confusas, com tamanha energia expandida deste encontro que aconteceu na tangibilidade da imaginação ante-humana.

O amor queria me proteger, mas precisava demais ser protegido. A medida que me prometia um universo de coisas, ele também confessava-se sem núcleo, sem vida. O amor espera de mim aquilo que ele quer me dar. O amor reservava para mim aquilo do qual ele menos se abastecia. O amor veio, anonimamente, no irreal, e eu conversei com ele, nós cantamos uma ópera, nós nos silenciamos. Nós fomos nós. O meu "eu" até então não tinha nem a mim em sua conotação. Era simplesmente...

 Eu queria encontrar o amor, oh como queria me prostrar diante dele, como uma estátua grega, nua, com partes fragmentadas do espírito genial que não mais se materializava no corpo, eu queria me encontrar com o amor, no entanto ele, justo o amor, teve medo! Teve medo de nós. Teve medo! Paralisou! Absurdamente o medo berrou para acabarmos com aquela harmonia. Que era singela, pura. Era a primeira vez que o amor amava, segundo ele, naquelas condições inenarráveis, era com tamanha urgência que ele me chamava, ele dizia "Vem, vem, vem", ele tanto dizia, mas quando era para eu ir, ele teve medo. Não consigo acreditar... Era novo demais o amor se libertar. A vida resolveu colocar esse enfermo que vendia a vitalidade sagrada diante da minha fúnebre marcha pela existência, justamente para nos curarmos sem anestesia. Nem dor, nem tristeza ficaram cicatrizadas depois disso. O que ficou foi somente a chama desperta dentre em mim, a fera acordada, e que uma vez invocada, se não tivesse um percusso, vagaria por entre o mundo dos vivos, dos mortos e dos que foram salvos de serem algo, por toda eternidade. Como um zumbi. Era um caminho sem volta, então por que ele adentrou-se em mim? Na minha onírica necessidade de amar?

O amor disse que me amava e pedia para eu dizer o mesmo. E eu dizia, profundamente, mesmo não o conhecendo, mesmo não sabendo quem era, mesmo não lhe vendo, eu troquei o mantra sagrado da vida, eu disse: - Eu te amo. Porque eu fui novamente capaz de sentir. Eu não estava tão morto quanto supunha, por céus, eu não estava! Isso não era uma brincadeira, era seriamente grave e real. Se podíamos compartilhar assim, presumo porque não tínhamos nada a perder um com o outro. Não nos possuíamos. Não éramos libertos, tampouco presos. Éramos simples fugitivos. Estávamos no meio de um suicídio e despencados do alto de um prédio, trocávamos nossas últimas elucubrações. Ele perguntava o porque eu estava ali e eu dizia que era pelo mesmo que ele. Antes de nos desfarelarmos ao chão, podemos nos guiar, juntos, por segundos, antes que a vida escorresse secamente. Tudo aquilo que aconteceu era muito mais uma necessidade de nós dois dividirmos um com o outro, o que jamais seríamos capazes de doar para quem invadisse nossas realidades. Nós precisávamos desabafar juntos aquilo tudo que estava acumulado, nos desfazendo afinal do que fora acumulado sem penalidade em nós mesmos. Eu e o anônimo trocamos nossas almas depois de tanto desperdiçá-las vida a fora. Foi como um processo de fertilização - não sabendo de quem pertence o material paterno e materno, era assim que ganharíamos vida. E foi assim que pela primeira vez eu não morri sem ser amado. Fomos amados, amamos. Tudo o que eu sabia era que o amor se chamava... se chamava... Oh, cruel anonimato!

PEDRO DRUMOND

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