terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Incorrigível Estado de Espírito (Pedro Drumond)




Incorrigível Estado de Espírito
(Pedro Drumond)

Amor, tu te maquias com os brios do impossível.
Tu te vestes com os trajes do imprevisível.
Tu te perfumas com a rara fragrância
Extraída das seivas da mais inatingível distância.
Tu te calças dos cacos sobrados de todos os corações
Que um dia por ti foram pisoteados.

Já tua beleza se comporta
Com a solenidade de uma obra de arte
Que daria inveja à Apolo, filho de Zeus e Leto.
Tua realeza é capaz de matar só por diversão
Todas as almas sem dono, conquistando-as
Até o ensejo perfeito de subvertê-las.
Mesmo assim tu ainda te sentes insatisfeito, sem nada?
É preciso de fato deixar seus servos vivos
Para que minem sobre as tuas torturas.
Assim como os teus aliados devem ser bem assistidos,
Para que continuem acreditando nas tuas falsas juras.

Amado meu, certamente tu te banhaste
Nas cachoeiras do fascínio, do feitiço e da ilusão.
Te banhaste nestas mesmas águas da qual eu,
Sequioso de sede, vindo do sul dos desertos,
Permaneço a procurá-las, a farejá-las, a clamá-las...

De longe chego a ouvir o choro dessas cascatas
Assim como se tu tivesses aberto na minha alma
Todas as zonas restritas e secretas
Que tanto esforço fiz para preservar.
Eu que te contemplo com a luz
Que preenche as mínimas brechas do abismo,
Ainda retorno ao seu acervo,
Vasculho as suas pegadas, as suas arestas,
Talvez para reafirmar sobre o amor
As minhas crenças tão propícias a fenecerem.
(Ora essa, que causa mais vã é essa que fui querer abraçar!)

E a cada nova pista que tu deixas pelos caminhos
Eu vou me dando conta do quão não deixarás
De ser-me mero desconhecido, rigorosamente intocável.
Eu, meu caro amado, justo essa alma melindrosa
E errante que muito sou, caso não saiba,
Ganhei vida por um dia ter estado ao teu lado
E se bem me recordo, cá com os meus botões,
Aquilo me era divino, espetacular, maravilhoso!
Mau desconfiava eu de que a vida que de fato me deste
Se trataria de uma insofismável assombração.

Não... Não existe nada que exorcize os fantasmas
Que chamam pelo teu nome no meu coração.
Eles vagueiam aqui dentre'mim, não há como controlá-los!
Estão ora atolados em lamas corrosivas,
Estão ora se esfumaçando em lavas derretidas,
Estão ora num zig zag frenético e absurdo
Pelas valas e grutas de todo tipo, sobretudo sem saídas.
Esses meus fantasmas beligerantes
Estão agora, sim, neste exato momento,
Te implorando a mínima comoção.

Que posso então fazer desses anjos caídos
Nos jardins da minha existência?
Que posso deles fazer se é que algum dia
Eles me foram sonhos, foram planos,
Foram os tamanhos e injustificáveis sentimentos
Que alimentavam-se de ti, como o maior dos sentidos?
Que posso por deles fazer, já que oram a ti,
Para que comigo te tornes divino?

Que posso fazer desse meu
Incorrigível estado de espírito,
Cristalizado que bem ficou
Depois que os ventos de Oya
Sacudiu as nossas vidas
E por fim nos afastou um do outro?

Que posso fazer contigo, meu amado,
Que nada me foi, nem tampouco será?
Que posso fazer se tu foste ninguém,
Outrossim como ninguém eu sou?
Que posso fazer se só tento a ti
Para ensaiar as minhas tentativas de amar?

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