terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Amor & Prazer, Os Hóspedes (Pedro Drumond)






Amor & Prazer, Os Hóspedes
 (Pedro Drumond)

Talvez eu tenha abrigado o prazer
Como o mais novo hóspede do meu coração,
Já que o amor partiu num dia de chuva fina
Deixando meu quarto revirado
Com seus pertences todos esquecidos.
Foi-se embora, de rompante, sem nada dizer
Sobre o que achou da minha hospedagem.
Sem sequer pagar a conta, sem ter sido grato,
Sem ter deixado um simples bilhete de adeus.

Doravante, o vazio deixado no meu lar
Provou-se tão descomunal,
Que tive de refazer tudo o que foi devastado.
No entanto todo esforço realizado
Não fez nada ser como antes.
Então num dia desses, em que eu brincava com as moscas
E escutava um bálsamo de arte, diluído em silêncio e poesia,
Do antigo rádio que herdei da minha avó,
Escutei batidas graves feitas nas portas do meu coração...

Alguém chamou com uma voz melíflua pelo meu nome.
Aparentemente envolvido num súbito de aflita atenção,
Me dirigi às minhas superfícies para ver
Do que se tratava todo aquele alarde.
O rádio agora chiava.
Calhordas, eu estava tão bem quando só!

Então um forasteiro tido por prazer,
Pedira para se instalar no interior do meu ser.
Eu, que muito havia ouvido falar sobre ele,
Mas pouco o conhecia,
Resolvi abrir as minhas janelas,
Arejar os cômodos do meu interior,
Fechar com mais afinco algumas câmaras secretas
Que preservavam a minha verdadeira essência,
E depois pude recebê-lo, por fim convidando-o a entrar.
Observo o quão esse novo hóspede é singular.
Certamente expresso um sorriso largo (e falso)
E ternamente o trago para os meus braços abertos.

Não sabia, porém, que o prazer vinha acompanhado
De uma corja de conhecidos seus
Que lhe faziam visita com boa frequência.
Usando-me como pretexto para tal,
Os conhecidos postos pelo prazer no meu caminho,
Passaram por mim como meros desconhecidos
E desconhecido deles também fui outro.

Graças a algumas exceções, pude oferecer
Alguma essência minha, alguma intensidade,
Alguma pureza nas minhas deslumbrantes apostas.
Quitutes esses que eu costumava a dedicar outrora
Exclusivamente ao amor, até o dia em que ele partiu
Deixando a mesa suja e repleta de migalhas
Do pouco que restou de mim.

Desses ditos cujos, apresentados a mim
Por intermédio do prazer, que dei do pouco
Nutriente restante, mais agradável ao amor,
Foram poucos que aceitaram tais graças.
O prazer se alimenta de outras coisas - segundo eles -
E nos oferece apenas como pagamento
Quantias exorbitantes de encanto, ilusão,
Energia e sabor, que mesmo saciados um dia,
Não crescerão com o passar do tempo implacável,
Como o fazem os frutos do amor, podados nos jardins da alma.

O meu coração era um lar cheio de vida.
Depois ficou deserto, frio, vazio.
A partida do amor pareceu ter me roubado
Meu grande sentido, que ficava exposto
Como obra de arte num canto qualquer.

O prazer, depois de quase falido meu hospedeiro coração,
Adentrou em mim antes que pudesse sequer contestar!
Porém reconheço que me fez mais homem, me fez mais mulher.
Para o mundo, certamente, deve ter-me feito mais alguma coisa.
Para o mundo apenas, exceto ao meu universo particular.

Ainda sinto saudades do amor, confesso.
São com os olhos rasos d'água e nítidos em sua nostalgia
Que me recordo das manhãs em que nós desjejuávamos
E nos púnhamos o restante do dia a tecer os nossos sonhos,
Assim como os delírios mais surreais por nós reservados.
Inebriados, como duas crianças brejeiras,
O amor e eu dividíamos um êxtase sincero e profundo.

O amor em tanto me enriqueceu
Para depois partir como se fosse
Um pobre mendigo, flagelado de uma figa!
Meus Deus! Será que deixei de ser-lhe útil?
Será que o amor encontrou outro coração
Melhor que o meu para se instalar?
Fiz alguma coisa de errado? Ai de mim!
O que deixou de estar do seu agrado?
Não lhe dei o devido à sua altura? Ai de mim!

"Besteira, menino! Venha para cá, estou a sua espera!"
- declama o prazer lá dos quartos do fundo...

Falso seria dizer que atendê-lo é uma tortura.
Não... O prazer é até muito convalescente e dedicado,
Mas em comparação ao amor... Ah, o amor!
Tão misterioso, tão envolvente... Ah, o amor!
Nunca me disse, de fato, de onde vem, para onde vai.
Só sei que ficar, que é bom mesmo, ele jamais fica.
As marcas deixadas pelo amor, essas sim,
São o que se eternizam e melhor me vigoram.

Todavia sim, o amor sabe onde me encontrar.
E quando for para vir, ele volta - ah, se volta!
Tomara que o prazer a essa altura
Já tenha seguido o seu destino.
Mas vai que os dois se encontrem,
Se conheçam, se fundem um no outro
E tornem mais completo o meu ninho?
É... Não custa nada sonhar!

Meu corpo é o deserto onde vivo,
Passem por ele quantos homens forem precisos.
Mas apenas para o amor, o sublime amor,
Meu coração servirá de lar. Oxalá!

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