quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Umbral da Alma Poeta (Pedro Drumond)





Umbral da Alma Poeta
(Pedro Drumond)

É... Não tem jeito... Vou ter que me entregar.
Que me perdoem os deuses que carrego na alma.
Desculpem-me, deuses, mas vou ter que nos encarcerar
No fundo de uma gaveta suja,
Numa tumba dos tempos de Thor
Sim... A tumba asfixiadora de sonhos...
Preparem-se, pois é para lá que vamos à sós.

Tentei como ninguém resistir ao que sucumbo agora,
Mas a vida foi tão maior do que eu, todos bem o viram.
Não restou-me nada, nada, simplesmente cheguei ao meu fim!
A vida é demasiada imperiosa.
Vocês todos sabem, deuses, como eu quis...

Como nenhum outro viajante de almas,
Resisti abrir mão dos nossos segredos, da nossa filosofia,
Da nossa arte, do nosso encanto, da nossa magia.
Apenas sou dono de mim mesmo - e isso foi tudo o que consegui.
E "eu mesmo" no atual mundo em que vivemos
- Nefasto, obscuro e prisioneiro -
Não é de longe o suficiente para sobreviver.
Exorbitante é o preço que a vida nos cobra!

Quis tanto preservar a minha singularidade,
Mas ela só nos serve anonimamente.
Ela não nos poupa do fardo de sermos diferentes.
Ela não nos protege dos mesquinhos
A ponto de não nos desfazermos da preciosidade
Que tanto custo tentamos resguardar.

Bom, já que vou ter de me curvar perante o tempo
De nada mesmo servirá o meu orgulho,
A minha vaidade e os meus sonhos.
Pelo menos não abrirei mão
De jeito algum da minha alma.
Não me entregarei assim tão fácil.

Se a minha vida é mais uma forma de escravidão, pois que seja,
Contudo, desfaço-me de mim
Antes que alcancem-me os bárbaros e tiranos
Que visam me extorquir da minha essência
E de tudo o mais que floresce no meu coração.
Jogo isso tudo para trás, num súbito impulso,
Sem sequer olhar para onde vai parar.
O certo é que não será a minha verdade
O bem precioso que que hão de me furtar.

Que eu viva num campo de concentração se for preciso.
Agora, nada disso mais importa.
Se não fui digno do meu sonho
E ainda assim, inexplicavelmente, permaneço vivo,
A essa altura da vida já terei me despedido.
Antes que o outono chegue já sou folha morta.
A perfeição da criação pode estar no inferno,
Como destino final e inescapável do homem,
Mas eu não vou para o inferno...
Não, para o inferno eu não vou!
É bom demais pra mim...

Vamos nós, eu e o meu amor, fugitivos das sombras,
Para uma dimensão impenetrável e paralela
Que só a gente pode arquejar.
Eu venho de onde surgem os anjos e aberrações.
Eu venho de onde se grita por se calar.
Eu venho de onde não existem leis,
Tampouco limites ou sentidos.
Eu venho de onde o ser humano
É uma lua sem estrelas numa noite deserta...
Eu venho do umbral... Isso mesmo, umbral...
Umbral da Alma Poeta!

Nenhum comentário:

Postar um comentário