sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

A Minha Pandora, O Meu Coração (Pedro Drumond)




A Minha Pandora, O Meu Coração
(Pedro Drumond)

A alma do ser humano é uma verdadeira caixa de Pandora
O que o mensageiro dos deuses, Hermes,
Faz com que nós ousemos abri-la violadamente?
Talvez o fascínio pelo mistério,
Talvez o delírio pelo absurdo,
Talvez o encontro no passado
Do que não nos abandona,
Quiça o que melhor nos dilui.

Eu, que sou um ladrão barato,
Já roubei tantas almas
Deixando meu coração como rastro
Por cada caminho que passei,
Pelos muros que pulei,
Pelos segredos que desvendei.
Também fui réprobo das coisas mais banais
Que podemos livremente debochar.
Joguei fora a minha honra por um pedaço de pão qualquer,
Daqueles que se atira desleixadamente aos pombos do cais.

Mas certa vez quando puro, quando inteiro,
Certa feita quando simples e inocente
No silêncio do meu quarto roguei à vida
Que me desse um grande amor.
Foi um pedido de uma criança
Que ansiava por crescer, sem, contudo saber,
Que sua alma diminuiria com o passar do tempo.

Como é de se presumir a encomenda entregue
Não fora bem exatamente o que eu pedira:
Amor reprimido, amor revelado.
Encanto, sedução, indiferença, distância.
Rejeição, sabedoria, disfarces.
Fado, loucura, grito, dor e pecado.
Em suma um amor solitário.
Ora, do que reclamo? Não fora o amor
Meu primeiro e último desejo?
Toma-lhe e cala-te boca então!

Vamos ser sinceros?
Nossos sonhos de nada servem
Se para a vida não estiverem de acordo
Com as nossas reais e cruéis necessidades.
Mas o que podemos afirmar ser necessário?
O que será a vida para confiar-se a tamanha presunção?
Nós mudamos com a mesma facilidade
Daqueles que por teimosia recusam-se
A se verem transformados.
Alguns levam pedras no peito,  outros nem coração!

Ao abrir a minha caixa de Pandora
Aprofundei-me no mais profundo abismo que havia.
Consegui escalar arduamente o caminho regresso
Rumo ao topo do precipício. Hoje, porém, ando sôfrego,
Ando embriagado, ando perdido.
Ao mesmo tempo com desvelada candura,
Preencho outros tantos vazios:
Seja dos homens da noite que sequiosos me procuram,
Seja dos amigos afetuosos, aos quais devo máxima lealdade.

A única coisa que me fizera malogrado
Fora ter tornado-me completo, incrementado,
Sem sequer querer!
Fora ter tornado-me autossuficiente
No que diz respeito aos sentimentos,
Já que a emoção é a maior caloteira da esquina,
Digamos que uma exímia mestre em nos boicotar.
Não, não posso negar, de nada lamento.
Ainda assim sou demais para mim,
Ao mesmo tempo não me basto.

Então certo amor outrora estava lá,
Tão empoeirado quanto intacto
Dentro da minha caixa de Pandora.
Desconheço a causa, mas creio-me
Que ao menos fui feito para o papel
De heroína, de vilã,
De mocinha, de donzela amada,
Mas não... Para quê?
Nos palcos das minhas tragicomédias
Só me delegaram o papel de amante, de errante.
O papel do tolo sábio, o grande degenerado.


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