sábado, 25 de janeiro de 2014

O Silêncio do Amor Aflito (Pedro Drumond)





O Silêncio do Amor Aflito
(Pedro Drumond)

A última vez que eu avistei o meu amor
Ele vinha em minha direção
Na calçada que travava de unir-nos no mesmo caminho.
Antes de pensar em qualquer coisa, cruzei a pista,
Escapei de olhar em seus olhos e notar o seu sorriso,
Como faz da cadeia um audacioso prisioneiro.
Hoje em dia, porém, quanto tempo eu não o vejo!
Sendo eu uma saudade ambulante,
Quanto tempo que eu não o sinto!

Fico encabulado, sabe? Pois vira e meche,
Sendo completo de morte e de vida vazio,
Esse fantasma sempre me volta
Obrigando minha poesia a recordá-lo.

Como me sinto esquisito!
Não sou mais capaz de me rejeitar
Nem de amá-lo com aquele ardor de outrora.
É com incalculada frieza nos olhos que osculo suas fotografias,
Como se a quem me debruço fosse um completo estranho.
Como se eu jamais tivesse sido por ele enamorado.
Como se eu, inexplicavelmente, fosse agora outra pessoa.

Como entender a verdade dos sentimentos humanos?
Como confiar naquilo que hoje sentimos
Se amanhã tudo pode fugir à janela,
Pegar o próximo navio e deixar de lembrança
A ironia da ausência?
O que mais contrasta com tudo o que acreditamos?
"Nada de fato foi real, seu paspalho!" - afirmam os escárnios da mente.

A maior relutância de quem ama
É pensar ou sentir o ser amado,
O mesmo capaz de nos despertar o amor,
Enxergando a nudez de sua alma amada
Como se contemplasse a sua própria natureza,
Na medida em que aos poucos vai se desfazendo
De todas as suas máscaras e disfarces.
Sem, no entanto, ser notado, ser reconhecido.
Sem deixar de ser apaixonado, se também não for impossível.
Sem fazer amar quem tenha a mesma inclinação
Para se lançar no seu abismo assustador.

O amor é uma farsa tão realista como a vida.
Seu sentido é oculto. Não tenho mais nada a dizer,
Porém sempre há de dar o seu parecer
Aquele que um dia me provocou
O silêncio do amor aflito
E que hoje me inspira sem dor,
O silêncio de um tempo perdido.

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