sábado, 14 de setembro de 2013

Minha Medeia Interior (Pedro Drumond)




Minha Medeia Interior
(Pedro Drumond)

Nada é natural na natureza
Aquilo que for contemplado
E tido por natural, já estará morto
Sob o julgo da simplicidade,
Do desmérito e da cegueira
Repito, nada é natural na natureza
Tudo o que encontramos é antes um claro sinal
De que ali habita o divino, caso não habite, por ali já passou,
Deixou o seu rastro, o seu silêncio,
Seu cheiro de erva-daninha, qualquer indício...
Tal é o espetáculo... tal é o grande espetáculo!

Aprendamos com as sementes,
Que renascem a partir do interior
E desabrocham numa obra incontestável,
Produto do surreal
Tudo o que é realista, portanto, é mítico,
Assim como o mítico é o todo realista
Nada é natural...

Os deuses nos amam, assim como nos odeiam
Nos lançam num caminho que nos levará
Senão ao desencontro com o que seja mesmo nosso
A questão é - Até quando os erros e desvios serão mandados
Para nos indicar a rota correta, o melhor caminho?
Quantos nos serão pertencidos ou serão furtados, digo esses erros,
Como as pedras e cruzes que se levam sobre as costas, quantos?

Deuses, em grande escala existem, vejamos nós mesmos!
Assim podemos nos convencer facilmente
De que não há Deus algum... E se houver, que importa?
Tal apenas se pode viver e jamais concluir-se,
Afim de que se finde nos giros antagônicos, paradoxais,
Todavia interlaçados, artimanhas atribuídas à deusa Eternidade...

Assim disse o centauro através dos meus sonhos
Assim disse o sagitário, cuja a voz não era
O silêncio do Sol nem o canto da Gaia,
Mas me revelara aos cochichos o pouco que restou
Das cinzas, dos mantos e do sangue escorrido
No punhal que ousou perfurar as minhas crias, Inocência e Pureza

Minha Medeia interior... Como posso explicá-la?

Traz o Hades no interior frágil da alma
Em seguida o alastra ao redor de tudo que lhe cerca
Sua razão é o caos, por isso torna-se destruidora de tudo,
O desespero é o seu princípio de vida
A mesma vida que foi impedida de viver

Calmamente assassina, mas jaz carbonizada interiormente
Com o amor tirano que resolveu fincar em si mesma
O que começou a partir de uma simples algazarra ou pacto
Sobre um tal Velocino de ouro
Sim, minha Medeia matou o seu amor depois do abandono
Antes já estava morta veemente,
Mas a morte não lhe era o bastante
A vingança sim é o elixir daqueles que vivem
Não por vontade própria, mas por atrevimento maior
Quando não resta nada mais que sucumbir às emoções
A vida é uma tempestade numa taça de vinho
Medeia está vazia, liberta, rendeu-se ao desvario
Envolvida numa liberdade inóspita, insípida e insossa,
Diga-se de passagem, uma especie de pós-mortem,
Nada mais a abala, tampouco a surpreende

Medeia é um monstro como eu, por amar angelicalmente
Petulante, altiva, feiticeira, ela segue o chamado do seu abismo
Com a cabeça erguida para as estrelas
Afim de não vislumbrar os sonhos mortos
Sobre os quais anda pisoteando no caminho
Medeia não nasceu para andar sobre as águas,
Como o fazem os fracos e principiantes a excelsos,
Medeia sim dança valsa, tango e bolero
Em meio aos cadáveres de amores
Que lhe aplaudem petrificados
Acaricia, cheia de mimos e gracejos,
Todos os monstros alados que lhes forem simpáticos,
Não se importa que eles sejam criados em páramos alheios
Medeia por isso é constantemente vigiada
Por sombras fantasiosas, olhos negros, bem o sabe,
É dosada por aqueles que lhe atacariam ferozmente,
Caso ela fosse o espelho d'água sobre o qual se debruçam
Os deuses vaidosos e egoístas, repletos de veleidades
Ao espirro das fragrâncias brumais e dementes

O fato de eu já ter visto a maldade bruta
Nos olhos de um assassino, de um ladrão,
De um mendigo, de um corrupto,
O fato de eu ter contemplado a maldade humana
E nenhum pouco ter demonstrado qualquer avesso à ela,
Muito pelo contrário, ter sim me reconhecido nesses reflexos
A ponto de abraçar o verdugo, ainda que estando além da sua infante tirania
Faz-me crer que aqueles que pedem  a paz, em verdade,
São os grandes amantes da guerra
A melhor forma de me vingar da vida
É ser, enquanto alma e dama, a mais bárbara e amável das tragédias

Como é que é? Eu sou Medeia!
Eu sou Medeia! Eternamente viva!
Do secreto tratado do amor dispensado, traidor,
Renegado após a glória, farei-me vingado
Ainda que escorram lágrimas secas
E placidamente assassinas, lágrimas secas, frias,
Vindas da minha Medeia interior

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