quarta-feira, 25 de setembro de 2013

DA MORTE






DA MORTE

O que torna a morte mais corrosiva não são as percas, as separações, nem as saudades da qual é feita. O que torna a morte um espetáculo autêntico aos nossos sentimentos, é a ignorância e pequenez as quais ela, em partes, nos reduz. É o fato de você ver ali, todo um ser humano, toda uma história de vida, todo um alguém que abrigava em si alegrias, tristezas, complexos, banalidades, e dentre toda categoria de características/personalidades que temos a disposição, enfim, toda uma alma, uma estrutura, despedindo-se de todos e de si mesma, cabendo (humilhante ou gloriosamente?) nas medidas de um simples caixão, de uma minúscula caixa de pó, de um buraco na terra. Não é verdade? Esse é o primeiro ponto onde toda nossa indulgência é blasfemada. A medida de todos os nossos escrúpulos (ou a falta deles) cabem numa moradia derradeira sem luxos e nem precaridades, pois se fixam na dura visão que a natureza nos delegou de seu mais incorrigível extremo.

De igual forma, como é fundamental reconhecermos a importância da morte! Se tudo o que vivemos e o que somos, fosse obrigado a durar ou insistir em tempo ininterrupto, ficaríamos sem fôlego interno para suportarmos nós mesmos e o leve peso das condições, que mesmo passando por transformações constantes ao longo da vida, são por nossos espíritos absorvidas de forma infinita. Se um doente eternamente fosse doente, se um drogado eternamente fosse drogado, se os alegres e tristes perdurassem sem prévias nesses ânimos, se os prazeres e dores durassem mais que segundos ou anos, se pessoas consideradas de boa ou má fé/índole tivessem que assumir eternamente esses papeis, que fardo o seria! Tudo na verdade estaria isento de sentindo, carente de autenticidade, desprovido de confiança.

A morte lenta, a morte longa, a morte súbita, a morte deformadora, a morte bela, a morte periódica, o suicídio, a morte acidental, a morte proposital, a morte aliviadora, a morte desamparada... temos mais tipos de morte do que tipos de vida. Assim como podemos reconhecer a qualidade de um relacionamento amoroso, mais pela forma como ele termina do que pela forma que ele se segue (visto que nesse momento nossas verdadeiras pessoas estão desprovidas de máscaras), podemos dizer qual a verdade a respeito de uma vida, nos baseando na forma como o sujeito se entrega, consciente ou inconsciente, à sua aniquilação. Extraímos daí a percepção frente ao grau da natureza humana que lhe foi própria. E é nesse espetáculo final, no último grã ato, que devemos superar todas as nossas cenas precedidas, que devemos abrir nossas almas com chave de ouro, ao invés de sermos trancafiados por ferrugens baratas feitas do medo e paralisia.

Vivamos com os nossos companheiros de estrada ou precipício, para depositarmos no antro da despedida mais que lágrimas pungentes ou rosas diáfanas. Vivamos com quem estimamos, para enterrarmos nossos corações, mesmo comprimidos de saudades e dor, em estado leve de ligação, de união. Sem peso na consciência. Deixar um coração pesado ou receber o mesmo, em via do que foi ou deixou de ser feito, isso sim, é o que é a morte. E ficamos aqui, durinhos da silva, sendo esculpidos por essas proezas de nenhuma forma artísticas. É por isso que tantos sentem o peso dela. Pensemos, enquanto estamos presentes e também em companhia de outros, em como gostaríamos de carregar e que carregassem nossos afetos ou memórias, de forma leve, sutil, harmônica. Em quanto a maior riqueza que podemos nos desfazer é essa deixada ao detrimento do extremo, do irrevogável.

Não sonhemos com histórias perfeitas. Elas são o cúmulo da aberração. Orgulhemos de sermos protagonistas de histórias humanas, cheias de altos e baixos, de coisas admiráveis e outras nem tantas, de ganhos e perdas, de ausência de tudo, de convivência com o nada.... Enfim, mostremos o brilho da nossa medalha por termos ganhado a vida, mesmo que ela seja ofuscante por depreciações. Pelo menos é humano, é verdadeiro.

Enquanto alguém sobreviver no coração de outra pessoa, será vivo. Se deixamos obras que permaneçam a surtir efeitos, continuaremos a atuar por meio delas. Pense, portanto, naquilo que você tem depositado nas almas alheias por aí. Naquilo que tem edificado. Seja seletivo quanto aquilo que também depositaram em você, o que você realmente quer levar na sua bagagem, no seu despacho. (Lembre-se, o peso custa, e muito!). E no final desse tratado só recomendo uma coisa - a mais perigosa e gratificante de todas - viva por aqueles que morreram e morra por aqueles que viverão. Viva e morra pela coisa mais importante da sua existência - Você mesmo!

- Pedro Drumond

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