sábado, 13 de setembro de 2014

Aversão (Pedro Drumond)





Aversão (Pedro Drumond)

A ingratidão, a injúria e a insatisfação
Só podem ser a maior riqueza dos miseráveis.
Quando um diamante, por mais valioso que se aparente,
Sente-se mais limpo pelas lamas que lhe revestem,
Do que pela nobreza das águas-correntes que lhe banham,
Cobras sorrateiras quase explodem ao prazer da sua peçonha.
Enquanto isso o antídoto do amor, vindo em missão de cura,
Termina por si só secretamente doente, renegado na injustiça.

Podemos dizer que algo realmente atinge o nosso núcleo
Quando trágicas erupções ou divinas orquestras
Ocorrem em nosso íntimo, enquanto que por fora
Nada se torna perceptível, nada se exterioriza.

A tristeza se concretiza
E até mesmo a felicidade se materializa,
Quando não é possível esboçar qualquer reação.
Não se é possível transviar os efeitos
Quando o absurdo faz-se símbolo do nosso coração.

O silêncio, o impacto,
A pura constatação do que se sente
Ao que o mundo acabou de nos oferecer
É o sinai mais fatídico de que fomos atingidos
Irrevogavelmente por algo ou por alguém.
(A próxima flecha, d'onde virá?)

A aversão é a consequência mais perigosa
Que se pode colher depois de tanta desfeita praticada.
A profundidade do amor, da gratidão e da solidariedade,
Quando absolutamente desprezados, convergem-se
Das ternuras mais angelicais às mais demoníacas das mágoas!

Anos perdidos, anos esvaídos pelo ralo.
Enfrentei sombras e aberrações
E toda sorte de seres falsos
Por nada, por ninguém.
Para terminar humilhado, desmerecido,
Ofendido e desprezado
Por alguém cujo sangue é sujo de veneno e rancor.

Alguém que não só reclama de barriga cheia,
Mas prefere a seda da ilusão aos espinhos do amor.
Alguém de quem se cuida a vida
Para em seguida nos apunhalar até a morte!
Dos inimigos qualquer afronta é digna,
Porém nunca dos que ao nosso lado deveriam estar,
Porém jamais, jamais daqueles de quem sempre,
Sempre com a melhor das dedicações que se tinha,
Apesar dos contra-tempos, ousamos querer
Em algum instante abandonar.

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